Esquinas e Anjos
 
Qual será o preço por teu fingido apreço?
Desses, que logo se esquece 
assim que amanhece?
Ou daqueles mais caros,
que pagam os prazeres raros
e dos quais só se esquece 
quando a alma apodrece?

Quem decretou a tua triste sina
de ser escrava d´alguma cafetina?
Quem te pôs sob o gringo pedófilo?
A miséria da orfandade 
ou só a falta de humanidade?
Ou foi o sonho em neon da cidade?

Quem te pôs sob o velho tarado?
Qual foi o teu pecado
para purgar nesse leito errado?
Foi o sonho comum de adolescente:
ter comida, roupa e aparelho no dente?
Ou foi a ousadia de querer diferente,
onde o estômago não fosse tão urgente?

E, agora, só sonhas que o falso penitente
seja o último cliente?

Tantos sonhos (talvez) e tanta culpa.
São teus os primeiros. É minha a segunda,
por compor essa sociedade vagabunda.
Sociedade que entrega as suas filhas
e se isola em redomas e ilhas
para nada ver, nada escutar.
E, depois, contigo deitar.

Fecham as janelas por te temerem
(ou para não se reconhecerem)
e vociferam suas ladainhas,
mas aliviam-se com cesta-básicas,
vales-transporte e latas de sardinhas.

Usam teu corpo e matam a tua alma.
Suja, continuas na rua. Querem-te nua.
Sem Alma continuas na noite
sob o jugo do Santo Açoite.
A puta da esquina,
que se dá por um pico de cocaína.

Qual será teu destino, forçada libertina?
Até quando, anjo menina?


 
Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, Verão de 2015.