Reversores
Ah, como admiro os vilões escancarados!
Os que, mesmo mascarados, se assumem vis.
As cobras, nem gentis nem inimigas, sussurram
e rastejam sobre os segredos do mundo.
Do lado de cá, milhões de puritanos,
inocentes, remidos, convertidos…
Restam poucos arrependidos e muitos
culpados!
Não por terem sido julgados,
mas pela forma como se sentem
e revertem em seus discursos.
Pregam que o curso de todas as vidas
deve seguir para o mesmo lado.
Talvez por medo da solidão
no trilhar dessa estrada imaginária,
enfeitada por palavras ambíguas,
advindas de um livro velho:
um livro por tantos manipulado,
um livro-lenda, um livro-arma,
um livro-manual-para-extorsão,
um livro rico em metáforas,
em estórias…
E em história muito mais seria,
não tivesse sido tão mutilado
a gosto de poderosos.
(Se bem que, quanto à sua confecção,
muito me lembra minha avó
tecendo uma colcha de retalhos)
Talvez por acreditar
que haja perdão para suas atrocidades
se vejam no direito de pagar
pecado com mais um culpado
num mercado de almas aflitas
(É mais, me livre, lhe pague, é fiel!)
Em busca de qualquer conforto,
qualquer ilusão que pareça decente,
qualquer máscara que se apresente,
qualquer nome sagrado que sirva de escudo.
Ah, como admiro os vilões assumidos!
Não se valem de argumentos fundidos,
fodidos, falsos.
Os heróis de uma nova geração
são os reis da hipocrisia!
Seus crimes e suas mãos sujas
são lavados pela nova ordem de zumbis…
Espontaneamente!
Eis o grande refúgio:
Quem sabe, se todos juntos
contarem a mesma mentira
ela se torne verdade
ou
Quem sabe, acusando os demais,
os que não sobem nesse palco,
tornemos justificável deixar
nossos monstros - nós os monstros - à solta.
A face mais cruel do assassino
é a do que justifica sua carnificina
com um falso amor: seletivo, racista, preconceituoso.
Mas zumbi não identifica absurdo nem raciocina.
Salve-se quem não crê!
Protejam-se do extermínio!
Um apocalipse se aproxima!