Escravo da liberdade
Dormia o cativo sozinho na senzala
Enquanto as nuvens brilhavam à noite
E lacrimejavam prolíficas estrelas
Prostradas diante do açoite.
Ao abrir os olhos, o preto indigente
Foi expulso das terras soberanas
Para viver no meio de toda gente,
Longe de prisões desumanas.
Então, dono de sua liberdade,
Foi andar pelo grande centro,
Buscando ser alguém de verdade,
Mas ainda o olhavam de lado,
Chamavam-no preto vadio, arruaceiro,
E lhe davam ordens como criado.
A liberdade estava fria, escrita
Em tinta preta como a pele africana,
Mas longe de ser verazmente realista
Como o sangue que emergia de seus traumas.
Sua mente era apenas trevas,
Pois era um homem deslocado
De sua própria terra e deveras
Diferente dos chamados civilizados.
A religião de seu povo agora era branca,
Suas comidas agora tinham outro gosto, e
Sua alma prisioneira se fazia desértica.
Pensando na infância sofrida,
Nas atrocidades brancas que vira,
Vagou consigo pelas calçadas.
Seus olhos refulgiram quando,
Sentado numa tarde imunda,
Observou um pássaro planando,
Solitário, sem pensar em nada.
Então o preto desejou, inutilmente,
Ser parte daquela paisagem cinzenta,
Batendo as asas para o horizonte,
Como se possuísse sua alma liberta.
O suor escorria por todo rosto,
As máculas ardiam em carmesim,
A humanidade fora extirpada do peito.
Ele era um homem prostrado
Diante de vis animais selvagens,
Mas humanamente vestidos.
Então, naquele momento ignóbil,
Dialogando com a morte oportuna,
Viu a chama da dignidade estéril
Queimar por inteiro corpo e alma,
Percebendo repentinamente
Que, apesar de não ter senhor,
Sua consciência ardia no chicote,
Extirpando seu espírito sonhador,
Pois sua alforria sem identidade
O escravizava em si mesmo,
Prisioneiro de sua própria realidade.
*Texto premiado com o segundo lugar no Concurso de Poesias do Café Literário Antônio Roberto Fernandes 2014 (Campos dos Goytacazes-RJ)