SÓ UM DIA, SENTI MEDO...

Houve um dia, só um dia

De agonia, senti medo

Fiz só verso em apelo.

Das ruas enfileiradas

da plateia toda nua,

das calçadas e das urnas,

das esquinas malfadadas

Das vielas empoeiradas

Pelos becos sem saídas

Da esperança decaída.

Senti medo.

Senti medo do escuro

Senti medo do absurdo,

Senti medo do corrupto,

Senti medo do futuro.

Foi só um dia.

Senti medo do tudo...

Senti medo do todo,

Senti medo de todos!

Louco medo, em aborto.

Medo das doces meninas...

Das meninas Já sem rimas

De homônimos, sem hormônios!

Da infância sem bonecas.

Das meninas de Caetano

Vil poesia do abandono.

Sem suas ruas ladrilhadas

Das amarelinhas apagadas...

Senti medo.

Olhos cinzas, fustigados

Sonhos todos renegados

Nos palanques versejados.

Das crianças pelas telas

Tantas delas...em aquarelas

Sem viço das primaveras...

Sem floreiras nas janelas.

Pelas ruas sem asfalto,

Coração em sobressalto,

Senti medo do percalço!

Medo...

Lá dos morros bem ao alto...

Pelas portas arrombadas,

De cortinas ensanguentadas,

Das palavras abortadas

Tantas rotas renegadas

Da vil bala disparada

Sem ter metas almejadas.

Da poesia fustigada,

Já sem rimas, infernizada.

Dos zunidos ao pés do ouvido

Dos tantos versos de absinto;

Que ecoam sem sentido

No inútil tempo perdido.

Senti medo, só um dia...

Foi o da trégua da alegria.

Senti fome, muita fome...

Da comida que eu tinha!

Senti sede, farta sede

Da água que já fedia.

Do socorro que não vinha

Do alfabeto que fugia...

Do ar que já morria,

Do todo em agonia!

Do tudo que de tão perto

Já estava a gritar

Senti medo do deserto

Medo de não suportar.

Só um dia...

Nem meu medo resistia.