As dores do mundo

Se não ligar a TV, o rádio, não ler os jornais

se não for confrontada com a fome

a miséria, a dor, as leis irracionais

se me fechar num casulo

construir em volta de mim um muro

talvez eu possa ser feliz...

Se fechar os olhos, tapar os ouvidos

trancar a porta e fechar as janelas

se me tornar eremita

e ver apenas as cenas belas

for para o alto de um monte

e o monte for deserto

e não avistar senão

paisagem vazia de gente

talvez possa ser feliz...

Mas, enquanto for esbofeteada

com a dor alheia

enquanto a paisagem for

a dor nos olhos dos outros

as marcas de sofrimento

nos corpos dos semelhantes

enquanto houver o lamento

causado pela maldade do homem

ou por uma terra enfurecida...

Enquanto a miséria, a fome

a destruição e a desolação

me entrarem pelos poros

me causarem aflição

me abrirem os olhos de revolta

de nojo, medo e espanto

não poderei ser feliz...

Não sou porta-voz da dor alheia

Mas sinto-a... profundamente

e, enquanto a sentir, é um pouco minha também...

Não posso salvar o mundo, esbofetear o mal

por mais que o deseje, por muito que o queira

mas sinto esta impotência enorme

de ser uma só em meio à multidão

e as dores serem tantas e tão grandes

e eu não poder agir, dizer, gritar

cada uma delas e por cada uma delas...

E não poder fechar os olhos

E não ser alheia a tudo

E assim não ser feliz!

Francis Faria
Enviado por Francis Faria em 24/05/2007
Código do texto: T499630