As dores do mundo
Se não ligar a TV, o rádio, não ler os jornais
se não for confrontada com a fome
a miséria, a dor, as leis irracionais
se me fechar num casulo
construir em volta de mim um muro
talvez eu possa ser feliz...
Se fechar os olhos, tapar os ouvidos
trancar a porta e fechar as janelas
se me tornar eremita
e ver apenas as cenas belas
for para o alto de um monte
e o monte for deserto
e não avistar senão
paisagem vazia de gente
talvez possa ser feliz...
Mas, enquanto for esbofeteada
com a dor alheia
enquanto a paisagem for
a dor nos olhos dos outros
as marcas de sofrimento
nos corpos dos semelhantes
enquanto houver o lamento
causado pela maldade do homem
ou por uma terra enfurecida...
Enquanto a miséria, a fome
a destruição e a desolação
me entrarem pelos poros
me causarem aflição
me abrirem os olhos de revolta
de nojo, medo e espanto
não poderei ser feliz...
Não sou porta-voz da dor alheia
Mas sinto-a... profundamente
e, enquanto a sentir, é um pouco minha também...
Não posso salvar o mundo, esbofetear o mal
por mais que o deseje, por muito que o queira
mas sinto esta impotência enorme
de ser uma só em meio à multidão
e as dores serem tantas e tão grandes
e eu não poder agir, dizer, gritar
cada uma delas e por cada uma delas...
E não poder fechar os olhos
E não ser alheia a tudo
E assim não ser feliz!