A Era do Carro de Lixo
Amaldiçoados no veículo imundo
Arrastando as carcaças de bicho ainda vivo
Disputando um ar fétido e remoto
Comprimidos num espaço insalubre e pequeno
Se vão carregados os animais suburbanos
Resíduo escravo de tempos esquecidos
Mantidos a distâncias seguras do luxo e conforto
Espremidos na fossa funda do mais pútrido esgoto...
... Dos bancos, dos ricos
Acomodados, se isolam no carro coletivo
Ruminando aos becos e buracos onde são escondidos
Tão longe do luxo e tão perto do lixo
Ao ponto de aos restos serem confundidos
Tão mais espalhados, quanto mais são removidos
Pela lixeira móvel aos lixões do inferno
Onde são reciclados, reutilizados, destruídos
Nos moinhos da História, no incinerador do tempo...
... Dos bancos, dos ricos
... Dos BRANCOS, dos ricos...
E, como restos de um nada, sem passado ou futuro
Eternamente bóiam no sepulcro móvel do destino
Já predestinados a cumprir o mesmo roteiro
Cochilando a ira e o cansaço naquele assento duro
Amortecendo os desgostos, bajulando os ricos
Que desfilam soberbos em naves velozes logo ali ao lado
Alegres e serenos, seguros, admirados
Alheios àquele lento e suado depósito humano
Onde amontoaram o subúrbio para conduzi-lo ao trabalho...
...E ali, pretos de todas as cores, destinos e lugares
São levados e trazidos do labor para o ócio
... E ali, POBRES de todas as cores, idades e tamanhos
São levados e trazidos do labor para o ócio...
... Para lutar para enriquecer os bancos já ricos
Aprendendo a conviver com o próprio sofrimento
E se refugiar na fé, no prazer e nos vícios
E nascer, trabalhar e morrer sonhando ser BRANCOS
Para sempre se maldizer por ter nascido preto
E, imóveis, permanecer no lento carro-do-lixo
E talvez jamais perceber que ainda há tempo...
De mudar esse rumo!