Lar de Pedra
Acumulados debaixo do concreto
Quietos, cada vez mais nos cercamos de cimento
Onde, apressados, construímos esbaforidos
A prisão mais segura para os nossos desejos
Mas, nos sentimos tão libertos e orgulhosos nesse espaço
Tão restrito, tão completo, tão tranquilo e isolado
No qual nos aquecemos e sufocamos, comprimidos
Sob a aglomerante camada de cimento impenetrável
Aí pairamos tal como num sonho enrijecido
Ali parados naquele cristalizado realismo
E, assim, como se também de concreto, petrificados
Remodelamos pouco a pouco o nosso espírito
Com o tempo, até o corpo ao concreto vai-se fundindo
Derrete-se a própria alma para lacrá-la nesse invólucro
A emoção e o raciocínio a matéria-prima reduzidos
Para caberem minimizados nesse minúsculo abrigo
E ali morremos do concreto armado prisioneiros
Sepultados e acoplados à grande massa de cerâmicos insumos
Na qual nascemos, derretemos, enrijecemos e formamos
O inerte material bruto que deformará nossos herdeiros
Então, nos reformaremos desses restos de espírito humano
E nos reconstruiremos n’outros rostos, n’outros nós mesmos
Cada vez mais frios, mais rijos, mais quebradiços... Macilentos
Reaplicados na caseira usina de pedra e entulho organizado
Onde nos repetiremos e nos repartiremos em mil pedaços isolados
E outra vez nos reciclaremos e renasceremos de cada um desses ovos
Cada vez mais chocos e cada vez mais fragmentados
Remodelando o doméstico cubículo com farelos de nós mesmos
E, de tão deformados e reduzidos pela inevitável ação do tempo
De nós restará apenas a poeira e a escória de algo embrutecido
Todos meros reciclados resíduos reciclados de nós mesmos
A matéria-prima de seres cada vez mais autômatos...
... Mais desumanos