MONSTROS DO SISTEMA

MONSTROS DO SISTEMA

Seu nome de registro era uma justa homenagem

feita por seu pai camelô, a João de Deus

aquele que fora em momento mais drástico esquartejado

em detrimento da retaliação aos negros rebelados imposta

àqueles que peitaram de frente a demagogia da democracia racial

e a histórica mentira de fim da escravidão

Negros corpos se locomovem dentro da feira de são Joaquim

alguns em busca de economia na luta pela subsistência

outros no corre corre das vendas pra garantir a sobrevivência

João de deus olhava admirado a batalha de dona Amélia

que esgoelava-se a gritar:

- tomate, cebola e pimentão...

- fresquinho freguesa dirigindo-se as suas semelhantes

Subempregadas ao menos naquele momento patroas,

administradoras de uma vida dividida entre:

o trabalho, os afazeres domésticos e o enfrentamento diário das lutas quotidianas

Era desumano todo fardo aquelas negras senhoras submetido

João de Deus percebia que ainda assim seus pais

jamais sequer cogitaram virar bandidos

e a dignidade sob seu lar ainda imperava

Aquilo o fortalecia...

Nutria uma admiração de um espírito guerreiro,

Representação natural do legado perpetuado pelo seu povo

e da força do nome que carregava na identidade

não na identidade nomenclaturada RG

mas na ancestralidade que justificava a razão de tudo assim ser

Sentia que chamar-se João podia ir alem de ser de Deus

Poderia João Candido ser, em referencia ao almirante negro

por quem seu pai, aquele semi analfabeto também nutria sentimento de admiração

e mesmo sem acesso a escola nem a educação mínima

seu velho aprendera a ler em momento tardio,

e fez do habito da leitura, uma forma de combate frente ao sistema hostil

um livro era melhor que as companhias la fora oferecidas

com as quais se comungasse perderia a propria vida

nas mãos da policia ou de semelhantes inaptos ao esclarecimento

seguindo as estatísticas de segurança publica de inversos valores

permitindo seguir normalmente o espetáculo do circo de horrores

um circulo vicioso, sistemático e de natureza infame

onde negros eram fadados ao insucesso social

João de Deus se perguntava porque deus era tão mau

e porque tantas injustiças

sua ausência de malicia o permitia ir alem

será que deus era branco e racista era também?

João um garoto no meio da feira de são Joaquim

com futuro indefinido que de fato não conhecia o fim

filho de um Antonio com uma Maria

morador do gueto

se é que barraco poderia ser classificado como moradia

sistema prisional contendo muitos parentes seus, pelos quais volta e meia perguntava

e seus pais com os rostos entristecidos afirmavam estar viajando

viagem longa! era o que ele sempre ficava pensando...

Tios, primos e irmaos

divididos em puta traficante e ladrão

homicidas, monstros do sistema

sem sequer saberem na verdade vitimas serem de fato

João de Deus sentia que sua sina e seu destino não seria nada fácil

Sentado num caixote de madeira era precoce a um garoto daquela idade pensar tanta besteira

olhava os passos de pai e mãe,

que numa luta descomunal esforçavam se pela responsabilidade de comida porem a mesa

e já pensava quando teria acesso a sobremesa

na escola até o fardamento era dividido

livros nestes sentia que tava fodido

a transição da infância para juventude naturalmente ocorria

ele agora de moleque favelado a padrão de suspeito “ evoluía”

e aquilo doía como o chicote que rasgara o lombo dos seus antepassados

o jovem hoje de boné e camiseta vestia uma ciclone e almejava uma cg

culpa dele ou culpa nossa no que ele pode vir a ser?

Sergio Badbah
Enviado por Sergio Badbah em 24/08/2014
Código do texto: T4934663
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