MANHÃ, TARDE E NOITE
os dias
espaço onde as coisas acontecem
e às vezes amamos o inverso das coisas
e minuto é aquilo que juntamos
a outro minuto
pra não perder o instante
de tomar o metrô de manhã
pura rotina de seguir na estrada
de estar dentro desse tempo
que não sabemos decifrar
e somos nós
operários
negros
office-boys
vagabundos
(massa, milhões)
cansados dos leros do poder e das instituições
cansados das notícias da televisão
suscitando a babaquice, a sacanagem
a fome, a bobagem, os complôs, a porrada
bebida é igual a ópio
completamente óbvio
depois de saltarmos na estação
que nos deixa no pedaço mais sujo da cidade
persistência é quase misticismo
assim como os gestos e as palavras
urdidas nas calçadas frias da cidade
e tomara que o sacrifício da ressurreiçao
não tenha sido em vão
e, enfim, que em algum dia
o Senhor nos dê a chance
de imigrar, nus e felizes
para o paraíso
sem a sensação trágica da culpa.