MANHÃ, TARDE E NOITE

os dias

espaço onde as coisas acontecem

e às vezes amamos o inverso das coisas

e minuto é aquilo que juntamos

a outro minuto

pra não perder o instante

de tomar o metrô de manhã

pura rotina de seguir na estrada

de estar dentro desse tempo

que não sabemos decifrar

e somos nós

operários

negros

office-boys

vagabundos

(massa, milhões)

cansados dos leros do poder e das instituições

cansados das notícias da televisão

suscitando a babaquice, a sacanagem

a fome, a bobagem, os complôs, a porrada

bebida é igual a ópio

completamente óbvio

depois de saltarmos na estação

que nos deixa no pedaço mais sujo da cidade

persistência é quase misticismo

assim como os gestos e as palavras

urdidas nas calçadas frias da cidade

e tomara que o sacrifício da ressurreiçao

não tenha sido em vão

e, enfim, que em algum dia

o Senhor nos dê a chance

de imigrar, nus e felizes

para o paraíso

sem a sensação trágica da culpa.

JOAQUIM RICARDO
Enviado por JOAQUIM RICARDO em 17/05/2007
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