Rapsódia Sobre um Tema de Darcy Ribeiro
Capturados, pescoço atado a pescoço
Com cangas eles eram arrastados
Pelo mercador até o navio
Trocava-os por aguardente, tabaco e bugigangas.
Partindo por dias e noites a fio.
A bordo no navio
Ocupando espaço apertado,
Mal comendo, mal bebendo, mal defecando...
Tediosos e sufocados.
Escapando vivos à travessia,
Caíam noutro mercado
Aqui na Bahia.
Pelos dentes eram avaliados
Pela grossura dos tornozelos e dos punhos,
Eram arrematados.
Outro comboio os levava terra adentro,
Para o senhor das minas ou dos açúcares
Vivendo um destino cruento
Trabalhar dezoito horas por dia,
Todos os dias do ano numa eterna picardia.
Sem amor de ninguém, sem família,
sem sexo, sem afagos,
era a condição dos escravos.
Sem nenhuma identificação
Maltrapilho e sujo.
Feio e fedido.
Perebento e enfermo.
Sem orgulho do corpo,
vivia sua rotina absorto.
Quando cometiam algo gravoso
jogavam-nos peados
na boca de uma fornalha
para arder como um graveto oleoso.
Brasileiros!
Carne da carne
De negros e índios atormentados.
Brasileiros!
Descendentes de escravos
e de senhores de escravos.
Brasileiros!
Sempre servos da malignidade
destilada e instalada
em si mesmos.
Brasileiros!
De uma doçura mais terna
e de uma crueldade mais atroz
que se conjugam num sentimento.
Insensível e brutal!
Sentido e sofrido!
Brasileiros!
Herança terrível
de terem recebidos para sempre
uma cicatriz de torturador
impressa na alma,
e pronta a explodir na brutalidade
racista e classista.