Rapsódia Sobre um Tema de Darcy Ribeiro

Capturados, pescoço atado a pescoço

Com cangas eles eram arrastados

Pelo mercador até o navio

Trocava-os por aguardente, tabaco e bugigangas.

Partindo por dias e noites a fio.

A bordo no navio

Ocupando espaço apertado,

Mal comendo, mal bebendo, mal defecando...

Tediosos e sufocados.

Escapando vivos à travessia,

Caíam noutro mercado

Aqui na Bahia.

Pelos dentes eram avaliados

Pela grossura dos tornozelos e dos punhos,

Eram arrematados.

Outro comboio os levava terra adentro,

Para o senhor das minas ou dos açúcares

Vivendo um destino cruento

Trabalhar dezoito horas por dia,

Todos os dias do ano numa eterna picardia.

Sem amor de ninguém, sem família,

sem sexo, sem afagos,

era a condição dos escravos.

Sem nenhuma identificação

Maltrapilho e sujo.

Feio e fedido.

Perebento e enfermo.

Sem orgulho do corpo,

vivia sua rotina absorto.

Quando cometiam algo gravoso

jogavam-nos peados

na boca de uma fornalha

para arder como um graveto oleoso.

Brasileiros!

Carne da carne

De negros e índios atormentados.

Brasileiros!

Descendentes de escravos

e de senhores de escravos.

Brasileiros!

Sempre servos da malignidade

destilada e instalada

em si mesmos.

Brasileiros!

De uma doçura mais terna

e de uma crueldade mais atroz

que se conjugam num sentimento.

Insensível e brutal!

Sentido e sofrido!

Brasileiros!

Herança terrível

de terem recebidos para sempre

uma cicatriz de torturador

impressa na alma,

e pronta a explodir na brutalidade

racista e classista.

Marco Antônio Pinto
Enviado por Marco Antônio Pinto em 22/07/2014
Código do texto: T4892328
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