Sotaque
Esse som da palavra tão meu
é rastro no tempo pisado de outras bocas
desorganizada a palavra foge, escapa
som grafado na pele mais funda e vermelha
numa parte escondida de minha centelha.
Qual som é esse que lhe faz rir?
Qual som é esse que lhe desperta a ira?
Qual som é esse que lhe desperta o desprezo?
Qual som é esse que diz tudo sobre mim?
Em uma palavra, o som das pegadas, dos dias
imundice da pronúncia confusa das esquinas.
Em qual esquina dorme o som da minha palavra andarilha?
Em qual esquina sossega a minha língua sempre estrangeira?
Em qual esquina deixará de rir de mim?
Há uma esquina onde a palavra sairá da boca
para ser livre, para sossegar?
Vale algo o deslumbre modernista
no violento e silencioso mercado das palavras ditas?
Sangra nas vozes do Brasil o mercado falado
No ouro das bancadas televisionadas, nos tostões dos balcões
Na gratuidade das ruas, no formalismo cerca elétrica,
No pronome oblíquo, vidro fechado.
E num plural tão singularmente vazio.
Para mim, para eu: quanto custa o serviço?
Quantos carrego no meu r Rio de Janeiro?
Quantos esqueço no meu r mineiro?
Seria o meu r, mesmo, goiano?
Nem Brasil Copa do Mundo, nem português do mundo,
o meu r é somente um quase,
uma falta de tudo.