A morte de um plebeu

Passeando pela cidade

Fico tonto com os prédios altos

Morada de bacanas, em sua maioria

São moleques sacanas,

Esnobam os menores por que

Tem estatus e fama.

As pessoas vão passando

Em seus carros importados

E eu com os olhos esbugalhados.

Perfumes da botica, que custam muita nica,

Natura, Clorofila, também tem da Contém,

O meu é M.F que espanta negrinha...

Moscas que sobrevoam bosta,

São peles macias hidratantes coisa e tal,

No meu corpo tem coceira carrapato

De curral,

Meu hidratante é bosta fresca

De galinha ou de peru

Não ganho nenhum presente

Enviado lá do sul.

Suas riquezas não me incomodam

Na cidade grande é foda!

Mas não baixo minha cabeça,

Estou na rua trinta, de agosto, setembro?

Sei lá! Ninguém me diz, to com catarro

Entupindo meu nariz, de frente pro Saraiva

Ação Social, não tem ambulância

Pra me levar pro hospital.

Sigo em frente na tontura, barriga meio dura

Em frente à prefeitura tem um par de carecas

Cochichando, o que será que estão tramando?

A língua ta coçando, cabeça ta doendo

O que sai da minha boca nos ouvidos ta queimando

Mas eu não ligo, não tenho celular

Na rua trinta alguém veio me matar,

E disse pra me por no meu lugar

Debaixo de uma terra que não dá, arroz e feijão,

Nem milho e nem fubá.

Pra que eu vim pra cá?Só pra neguinho

Me matar?

Na rua trinta descobri que o trinta e oito

Tem o poder de calar, quem dera que fosse

Um tiro de fusil,

É um-nove-zero polícia civil?

Ninguém sabe ninguém viu!

Quem perdeu a farinha fui eu

Em ter dinheiro nem carro importado

Nem perfumes, hidratantes tão caros!

Incomodaram-se com as minhas sílabas

Agora sou mais um nas estatísticas,

Enterrado indigente,

No meu enterro tinha um pingo de gente,

Com caras espantadas, carecas lustradas

Paletós bem engomados, um bando de safados letrados!

Não soam pra ganhar o pão de cada dia

Morri de barriga vazia, a alma ta doendo

Cheia de arrependimento, por que eu fui deixar

Minha roça, minha família e vim passear

Na alta burguesia?

O caixão é cor de vinho, tinto ou fino

Brindando a morte do plebeu.

O sangue ta vermelho, janela aberta

Melou o espelho, da madame que passava

A escova no cabelo, na rua trinta

Um metro e trinta de cova profunda

Dei uma de esperto levei um pé na bunda,

O par de carecas agora sorri,

O catarro fresco já saiu do nariz,

A dor de barriga já é coisa passada,

Meu sangue já foi lavado da calçada

O espelho da madame já foi feito em caquinhos

Com nojo, com ódio da cor do neguinho.

A Deus peço perdão de todos os meus pecados

Sai pra luta, não tinha mais nada

Morri na trinta por que amei Esplanada!

Fechado os olhos, barro na cara

Quem ta morto não fala mais nada,

Morri por que amei Esplanada!

20/03/2000

Lula Ribeiro
Enviado por Lula Ribeiro em 09/05/2007
Código do texto: T480743