Eu mulher

Eu mulher!

47 anos de uma vida feminina

Passos lentos e apressados

Equilibrando-me no fino fio que é a vida

Menina franzina (La na roça)

Despertava com a Aurora

Fixava o olhar no horizonte

Perdia-me toda nos raios do sol nascente

E quando moça faceira tardava a dormir

Sempre a espreitar os mistérios do Crepúsculo

Ah! Quantas cantigas de roda

Quantos poemas de amor

Quanto riso, quantas lagrimas

Forjaram-me no chão batido da fabrica

8 horas de labuta diária

A marmita quase sempre meio que fria

O salário menos que mínimo, visto tudo o que vinha descontado

Os descontos era coisa que ninguém entendia

Chamaram o sindicato pra explicar

E lá veio a companheira com carro de som

Voz de quem sabia o que falava

(dizem que hoje já não é mais a mesma)

Mas naquele dia vi o Bom Retiro parar

Costureira de braços cruzados

Patrões Judeus, Coreanos, Brasileiros tiveram que explicar!

E a companheira que falava bonito no microfone

Disse que no dia seguinte seria 8 de março

Dia Internacional da Mulher

Dia de celebrar a luta das operarias queimadas

Um arrepio de indignação diante da historia narrada

Foi então que assustada ouvi, meu grito de Não!

Não mais escrava de um sistema nefasto!

Não a exploração da minha classe!

Não!

Não fui mais uma menor escravizada

Com 16 anos me fiz mulher operaria sindicalizada!

Nos 31 anos seguintes

Comi muito ovo frito na marmita mal esquentada

Fui “amassada” Em ônibus coletivos lotados

Atrasei o crediário das Casas Bahia

Tive meu nome protestado

Casei, separei, engravidei, pari..amei!!!

Estudei, me formei professora

Passei em concurso público

Me estabilizei

E junto essas letras mal rimadas

Pra dizem sou mulher de luta

Mereço Flores, chocolates, respeito e dignidade

Lúcia Peixoto
Enviado por Lúcia Peixoto em 09/03/2014
Reeditado em 28/07/2017
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