Desesperança
Todo santo dia é assim:
Acordar antes do Sol,
Limpar a erva que cresce
Entre a lavoura ressequida,
E esperar pela chuva, que não vem.
Seus amigos e irmãos partiram
Em busca de outros sóis;
Até a velha companheira,
Parceira de tantas luas,
Cansou-se de ver a terra nua
E bateu em longa retirada;
Morreu à beira de uma estrada
Esquecida em um canto poeirento
Sua carne pouca serviu de alimento
Aos animais daquela caatinga.
O tempo plantou-lhe calos,
E roçou a sua rala cabeleira
Ele carrega em si este estigma.
É duro plantar e não colher,
Regar a terra com o leite da vida
O sumo lacrimal da sua desgraça.
Os filhos que plantou não vingaram,
Morreu de sede o seu gado
E agora, enquanto puxa o seu arado
É ele mesmo o boi, que
Abre a terra e põe semente,
Desdenha sobre a própria mágoa
Que com essa frágua, já não pode
Sonhar com o dia em que, sortudo,
Volte ao pó que há tempos o cerca
E seja da sua terra, enfim, o adubo.