OVERDOSE
Eu tenho um disco da Janis Joplin
E acho que dos discos que tenho
É o que mais amo
Talvez eu morra de overdose
Overdose de almas de todas as garrafas
Que por todo esse tempo eu bebi
Dentro do meu peito tem um intruso
E não sei de onde veio
Mas sei que ele arrancará meu alicerce
Que arrancará o que me norteia
Eu sei que um dia vou chegar ao fim
Eu não tenho medo do fim
Mas da saudade que irei sentir
Daqueles que amo e que deixarei quando partir
Uma vez estive detido num lugar por muitos dias
Havia mais de cem camas e muitas janelas
As noites eram escuras
E os dias não eram dias
A solidão do calabouço era invisível
E ninguém podia ouvir
Não tinha luzes nos corredores
Nos corredores não tinha luzes
Não tinha luzes nos corredores
O telefone ficava pendurado na parede
E muitos esperaram que tocasse
Até o último instante
Até o olhar fechar
Eu vi Laranja Mecânica
Eu vi o frio das docas com seus navios ao fundo
Quando fui enterrado nu
Depois de ter levado choques
Na língua, no peito e no pênis,
Numa noite fria de maio
Maio é o mês de Maria
Minha avó se chamava Maria
Minha mãe se chamava Helena
E não dormia até eu chegar
Ela não sabia por que eu ficava fora tantos dias
Mas eu estava sendo treinado para separar o joio do trigo
Para ter o outro como inimigo
Para amar uma bandeira mais que a ela
Eu estava sendo treinado para matar
Eu não nasci para julgar
Não nasci para ter inimigos
Eu não nasci para matar
Disseram que existe vida no Europa
Disseram que existe vida
Não tinha luzes nos corredores
Nos corredores não tinha luzes
Eu tenho um disco da Janis Joplin
E acho que é o que mais amo
De todos os meus discos
Arnoldo Pimentel