Não Pode Ser Escrito
Eu tinha sonhos, eu falava sobre eles,
Alcançava horizontes, sentia orgulho,
Falava o meu idioma em todo lugar,
Da vergonha não via sombra, nem barulho.
Um dia quiseram que eu aprendesse a escrever,
A falar, a comer, me comportar,
Me levaram a ceder,
O país não podia regressar.
Eu contava histórias aos meus filhos,
Falava da bravura, da cultura do índio,
Os olhos deles brilhavam, ainda brilham,
Mas apenas com o reflexo da TV.
Disseram que eu tinha de aprender português,
Me modernizar, ser cidadão, que eu tinha que escrever,
Ora, ora posso sentir fome, não ter onde morar,
Mas tenho que saber escrever.
Escrever a cultura, não a minha, mas a criada por eles,
Escrever a bravura dos colonizadores da nação,
Seu proceder e todos os bons feitos,
Não importa se ficaram histórias para trás ou sangue pelo chão.
Eles disseram que eu tinha que ser culto,
Me ensinaram poesias de gente que nem conheço,
“que homem é esse? Não entendo nada, mas leio tudo!”
Porque me disseram que o progresso tem o seu preço.
Minha língua tinha várias expressões, ainda tem,
Mas quem é que as conhece?
Hoje sabemos português, somos alguém.
Sabemos escrever para que as coisas servem.
De que isso adianta? Tenho é que escrever,
Fazer a lista de compras, saber ler o nome do remédio,
Queria escolher o meu “saber”
Que diferença faz estar de “saco cheio” ou com tédio?
Eles fecham os olhos, não podem me ver,
Eles fingem não me notar,
Estou preso a minha selvageria, ao meu próprio padecer,
Isso, eles me ensinaram a falar,
Ah, claro, sei escrever isso também.
Mas de que me adianta?
Se os olhos doces do progresso,
Fuzilam a cultura das minhas crianças?
Meu filho me disse:
“Pai, você pensava em fazer faculdade?
Se instruir?
Porque sabemos que é verdade,
A gente precisa crescer e subir”
Eu queria ser o silêncio, meu filho!
Porque o silêncio é imenso,
O silêncio nunca se perde,
O silêncio não pode ser escrito.