De repente, frio

De repente, frio.

Janela embaçada,

céu cinzento,

beija-flor violento

protegendo a casa.

A rua fica tremendo,

aberta e fadada

ao cansaço e à rotina

do medo do vento.

Medo de ficar sem alento

na avenida movimentada.

Na casa trancada, a vida

é abafada, tudo são portas

fechadas, e o silêncio

acaba em encruzilhada

entre um grito

e um longo suspiro.

A rua triste

também é livre,

diversa, extasiada

com a presença dos que não existem.

Mas também é libertina:

deixa-se recortar pelas esquinas,

deixa-se levar pela presença dispersa

de gargalhadas serradas

que se desenvolvem

em sussurros da madrugada.

O açoite do frio não perdoa

nem a manhã, nem a tarde,

tampouco a noite;

mas na madrugada e

nas primeiras horas,

o estalido no corpo -

tal qual garoa -

é um rito covarde,

que não se demora

em criar um alarde:

o tremor sem pudor

ressoa na carne.