Funk da Maria-Fumaça
O engenheiro explicou ao alcaide
que a licitação da rodovia não podia ser feita sem projeto.
Mas o prefeito insistiu. Ele desejava melhorar o transporte,
mesmo sem o aporte de recursos que lhe permitissem
o trem eletromagnético. Louvado seja o prefeito
que pareceu pensar direito nos habitantes da cidade
que, como outras localidades, já teve muito mais graça
no tempo da Maria-Fumaça, no tempo do grande Brasil,
muito mais primeiro mundo que esse que hoje se vê.
Mas por que não tivemos, como ele, essa idéia brilhante,
esse arremedo de vontade?
Nós que somos da comunidade
de técnicos com instrução superior.
Que horror de pensar que nada sabemos fazer,
a não ser reclamar dos preços do pedágio.
É o tipo do estágio de que não sabemos sair,
sem no fundo colidir com o que não queremos fazer.
Sem falar dos que ocupam o palco
dos que ganharam a concessão do alcaide da ocasião,
e vão explorando a nação de contribuintes conformados
com os preços de quando em quando ajustados,
superando a inflação.
Por que não tivemos a noção do transporte sobre trilhos?
Estribilho que não sai da minha cabeça:
se faz sobre trilhos o transporte de massa, não esqueça.
Por que? Preguiça, malícia ou promessa?
Chega então a notícia
que a China daquele Mao, o tal que comia criancinha,
ela agora já tinha o trem que parecia um raio,
aquela lança que alcança 430 km/h
e chega bem antes da hora aonde tem que chegar.
O alcaide quis ligar com ele a Praça XV à Barra,
mas eis que ele esbarra no aporte de recursos.
E no curso da gestão, não brigamos por isso.
Parece haver um feitiço que nos impede, nos tolhe.
Alguém me impede que olhe o pessoal militar,
os que lograram implantar aquela revolução,
que esculhambou a nação,
que deu nisso que deu. Como quis a classe média
que com ela se fudeu, quando dez anos eu tinha.
Como quis aquela igreja – Deus me perdoe – católica,
insólita instituição financeira
na sua prática costumeira de causar a infelicidade alheia,
a tristeza e a penúria de tanta gente de bem.
Basta apenas que alguém a contrarie ou subestime
para que se torne um crime
passível da condenação eclesiástica. Escolástica,
só pros de sangue melhor que o teu.
Enquanto que cada vez mais cheio de gente,
o Metro é deficiente como meio de transporte,
ainda que pouco importe aos padres párias da cidade
vê-la em conformidade com os desígnios de seus moradores,
exceção aos de maior visão do meio eclesiástico,
talvez alguns franciscanos, decanos de idéias socializantes,
que muito antes trataram melhor nossos índios,
que nem por isso resistiram à cruel devastação
de sua raça, nação e religião.
Sem trem não tem tanta graça,
queria a Maria-Fumaça na terra ou no litoral,
no meio do meu quintal, onde a mãe estendia
as roupas no varal, sem olhar pro apito do maquinista,
ainda que ele insista em ter seu olhar outra vez.
Rio, 21/08/2005