Os pedintes (3)

Nos fundos da padaria,
Uma boa alma havia,
Que distribuía sobras de alimentos...
E os dois se aproveitavam,
Comiam e suspiravam, 
E saíam em passos lentos...
Nessa rotina de caridade,
Saciavam-se com a bondade, 
Café, o leite e pão...
Mas logo veio uma chuvarada,
Que lavou rua e calçada,
Deixando os dois todos molhados...
Mas com o calor que fazia,
A chuva, um bem trazia,
Embora estivessem ensopados...
Um carro passa embalado,
E o esgoto sujo pro lado
Dos dois foi enlameando...
Margarida esbravejou 
E muitas pragas rogou, 
Ao motorista, ameaçando:
- Que droga, que porcaria!
Enquanto Orpheu sorria...
A mulher muito irritada, 
Com a saia toda molhada, 
Virou-se contra o Orpheu:
- Você ainda fica rindo,
Enquanto eu desmilinguindo,
Molhada até na alma?
- Você não aprendeu nada,
Vive brigando como uma danada,
Sempre perde sua calma...
- É você quem me ensina,
Sofrendo com sua sina,
Vá se catar você também...
- Acalme-se, não vá embora.
- Não fique na minha cola, 
E não me chame de meu bem!
Enquanto ela brigava, 
Ele ria e debochava,
Daquela cena burlesca...
- Ora, ora, Margarida,
Aprenda a lidar com a vida,
Não a torne mais grotesca.
Faça-a ficar mais bela!
Toda vez que se aborrece, 
Sua alegria fenece,
Você também morre com ela!
- Não venha com filosofia,
Em mim ela não se cria,
Pare com suas bobagens...