Uma questão de moral e lógica

Meu Brasil! Da lógica, um exemplo.

Um país, no mínimo, engraçado.

Traz sempre a moral como um templo

expõe o aborto como assassinato

– mas só para a mulher pobre

que, de fato, não tem condições de pagar

nem sequer o anticoncepcional.

E vai parir no corredor do hospital

e não pode abortar

e não pode escolher

e não vai ter ajuda

e não pode correr

e não vai ter um par

mas também não vai ter

condições de gestar ou criar.

Se for rica, porém, o caso é diferente:

faz o que bem quiser e puder

à vista grossa de toda a gente

paga uma clínica profissional

sigilo, cuidado, segurança total!

Retira as células e sai contente

não era nem feto, afinal,

por que seria ilegal

um aborto assim tão decente?

De volta à pobre, entretanto,

que não tem dinheiro

e mora num canto

qualquer da Praça da República.

Não teve direito aos medicamentos,

à educação básica, à saúde pública,

ninguém atendia uma pobre nos centros

que eram apenas para pessoas de bem

e não para as pessoas da rua.

Não tinha nem pai, a criança

não tinha casa ou comida

e toda a esperança de vida

era um trabalho no semáforo

ou, se muito, no tráfico.

Aquela criança venderia

a droga que o futuro filho da rica

também ilegal compraria

e, ao contrário do outro,

considerado seria

como bandido indigente.

Dez anos depois ou até doze

aos quinze talvez, se der sorte;

sem casa e com o caminho torpe

sem escola, saúde ou trabalho

na vida das ruas, no tráfico,

mesmo nunca tendo tido outra chance

mesmo nunca tendo sido ajudado

o feto “salvo” de um aborto ilegal

num dia completamente normal

sob consentimento do Estado,

e daquilo considerado

como boa moral,

foi finalmente abortado.

O aborto foi realizado

por cinco homens fardados

três tiros no corpo

e outro entre os olhos.

Por fim, o aborto é legal

só errara o método, a pobre!

Mas agora entendera o jeito:

só os ricos é que têm direito

pois, no fim, é preciso dinheiro

e o aborto, para os pobres,

só poderia ser feito

por um senhor oficial

com balas e bombas de efeito moral.

Assim é que é permitido.

E, embora o feto continue sendo criança,

esse aborto é até aplaudido

por muitas pessoas de bem.

E a mãe, que se tivesse retirado,

ainda que com muito remorso,

ainda que arriscando o próprio corpo,

fadada seria à prisão.

Mas teve enfim seu feto abortado

e, diferente de si, nem sequer foi pensado

em ter o mandante condenado;

aliás: é muito ao contrário!

Com medalhas foi condecorado

por abortar a mando do Estado.

É ou não é um país engraçado?