botecos e silêncios

pediu um martini com bastante gelo,

sorriu rapidamente e conferiu a maquiagem;

estava perante a exaustão, mas sem medo,

e sabia que precisava daquela suspensão.

trabalhava tanto, pensava; mas não era bem isso

que incomodava aquela alma.

se iludia conscientemente com o senso

de calmaria da miséria recolhida.

dizia para si que o tempo impera e vinga,

mas temia o que vinha pela frente.

sentia-se na margem, no silêncio,

e não queria mais fingir boa imagem.

vivia em universos taciturnos que eram

"imundos para o mundo, mas não pra mim".

e assim passou a noite toda, aos trancos e barrancos,

se remexendo no desconfortável

banco daquele bar vagabundo;

e "que se foda". a sensação era inefável.

as doses chegavam com olhares oscilantes.

"eu não sou o mundo, garçom", ralhou a certo ponto.

e enquanto ria histericamente,

olhava para o copo marcado de batom.

pensou em tomar um calmante;

a bebida já percorria as palavras ousadas

e dançava com o corpo suado.

começou a refletir sobre todas as marcas

em todos os copos, e sobre todos os restos

de todos os botecos. pensava ser de bom tom

refletir com calma sobre os fardos.

"a vida subterrânea é tão triste

quanto a vida mundana, ordinária,

mas é bem mais sincera. e austera."

a dor em riste do abandono da Vontade

refletia-se: miscelânea tácita num balcão de bar.

adorou ver a fisionomia solitária em entrelace

iluminado de luzes vermelhas e amarelas.

gostava de se contemplar, não era um vício.

e foi aí que pediu uma cerveja. o impasse?

no reflexo carente de sexo, viu uma máxima:

nada de fome nos olhos; só um resquício de nome.