Brigando para ser apenas mulher

Perdemos, todas nós,

na luta desordenada pelos nossos espaços.

Perdemo-nos

nas ânsias reprimidas

que explodiram muito mal definidas,

na dilatação dos nossos limitados conceitos,

na imposição dos nossos direitos,

na guerra pela isonomia

e para fazer valer a nossa democracia.

Perdemos

da nossa prole o controle e o respeito,

dos nossos pares o amor incondicional

e, de todos, os preceitos e a moral.

Ah! Conseguimos, sim,

a exaltação da beleza

através da exposição na nossa sexualidade,

o espaço na mídia para aplaudir nossa prosperidade,

nosso sucesso profissional,

nossa intimidade escancarada,

nossa oculta realeza desmistificada,

mas perdemos o doce olhar da ingenuidade,

característica maior da nossa feminilidade.

Perdemos a satisfação de sermos cortejadas,

a espera empolgante até sermos beijadas,

as elegias ao olhar encantador,

a excitação que provocava o nosso mais leve rubor.

Mas ganhamos muito:

de descoberta a descobridora,

de desbravada a desbravadora,

de fera domada a domadora,

de rainha do lar a diretora,

de dependente a colaboradora,

de senhora a doutora.

Mulher! Maravilha de todas as épocas!

Nessa doce ilusão de vitória

encontro-me ainda lutando

pra ser apenas mulher.

SP, 01/03/2004

19:39 horas

Cleide Canton
Enviado por Cleide Canton em 10/08/2005
Código do texto: T41641