Dia de Chuva em São Paulo
I – Começo do dia
Bueiros transbordam
o horror humano
e o horror humano traz
a inquietação momentânea.
Momentânea, pois um hambúrguer
E um refrigerante liberta a alma
- é o que diz a propaganda,
É o que diz a atriz, o galã,
E as celebridades.
O paulistano toma o ônibus
Com meia hora de atraso,
Com o atraso a lotação e,
Espremido, ele segue sua jornada.
O guarda-chuva quebra,
Ele entra no metrô lotado e encharcado.
Sua irritação aumenta:
Dê-lhe batatas fritas e uns óculos escuros
(é o que foi escrito na porta).
É nisso que ele pensará até o almoço:
Batatas fritas, hambúrguer e refrigerante.
II – Meio-dia
Come rápido.
Precisa mover a máquina capitalista!
Não descansa!
Enquanto come, tem cinco minutos para ler
As mentiras do jornal:
- Aqui está o carro que você precisa!
Ele te fará feliz!, brada um homem no jornal.
É! O motivo de sua tristeza é não ter o carro!
Trabalha mais para ganhar mais.
Já está motivado.
Olha a hora. Precisa voltar.
Volta.
Trabalha doze horas diárias.
 
III – Término do dia
A cidade alagou
e tudo está um caos.
Buzinas e palavrões,
suor dentro do ônibus,
e crianças chorando.
De quem é a culpa?
Dele que não trabalhou o
SUFICIENTE
Para comprar o carro.
Seus filhos se envergonharão
Pois o pai não tem carro.
Talvez possa pagar o ônibus,
Mas não se compara.
Ele é o fracasso.
Paga pelo transporte nos impostos,
Jura que é livre e defende a lei que o oprime,
Trabalha demais para desfrutar pouco.
Mas não percebe.
Dorme totalmente alienado
E não questiona:
Por que pagamos o transporte
Quando dizem que é público?
Aonde vai o dinheiro dos impostos?
Por que não temos educação de qualidade?
Por que a cidade é um caos?
Não quer abrir os olhos.
Prefere não acreditar que é apenas uma marionete.
Prefere dormir.
É mais cômodo.
É o que ele faz, aproveitando o barulho da chuva fina.