O ANALFABETO IDEOLÓGICO

ou Carta Aberta a Herr Brecht

O pior analfabeto é o analfabeto ideológico.

Ele desconhece a importância

do respeito ao ser humano

e é capaz até de destruir tudo à sua volta

pelas suas crenças.

Ele é o pai de todas as guerras.

O analfabeto ideológico é tão burro

que ignora que milhões de pessoas foram mortas

em Auschwitz, em Kronstadt, no Arquipélago Gulag,

em Hanói, em Saigon, em Leningrado, Havana,

Hiroshima e Nagasáki

pela ignorância dos politicamente alfabetizados.

O analfabeto ideológico já não se lembra

do napalm atirado em crianças, no Vietnã

dos tanques esmagando jovens em Beijing

nem da Primavera de Praga.

Ele esqueceu dos desaparecidos

no Araguaia, em Buenos Aires,

em Santiago do Chile.

O analfabeto ideológico

explode bombas contra católicos e protestantes

em Dublin

e contra judeus e muçulmanos

em Jerusalém.

Não sabe o imbecil que da sua ignorância

nasce o mutilado, o órfão,

o neurótico de guerra, a viúva,

las madres de Plaza de Mayo,

as ditaduras.

Tudo isso porque

o analfabeto ideológico tem uma visão estreita,

uma amnésia do passado

e nenhum compromisso com o futuro.

Ele já leu todas as biografias dos grandes estadistas,

mas nunca a do Mahatma Gandhi,

que foi líder sem ser governante

e por isso desconhece ahimsa: a lei da não-violência.

Em seu radicalismo

ele não ouve, não respeita, não conhece

(ainda que seja para criticar)

outras ideologias, que não a sua.

Ele está preocupado em promover

a discórdia, o confronto,

e não tem o menor respeito à Vida:

nem à sua, nem à dos outros.

29/09/00