contra-mão da vida

não que eu não tenha me tocado

não que eu não esteja atordoado

um corpo foi atirado

no meio do tablado

eu no chão

colisão

ilusão

na contra-mão da vida

aturdida de ameaça

de sumiço de uma raça

de sumirem com você

levam as pessoas

eliminam as pessoas

novo modo de viver

todo dia no jornal

panorama sem igual

do carro pingando o sangue

abro a mala: você

sou eu

que coisa mais esquisita

esse novo modo de vida

essa saga desses nossos dias

e se sumissem com a idéia

de sumirem com você?

tanta coisa pra se ver

vale a pena a gente ser

uma vida, um pouco mais

que um delírio e nada mais

não me calo diante disso

eu me quedo impotente

e a vida segue em frente

que a morte é sutil

mesmo quando é demais

todo dia é a mesma coisa

almoçamos o extermínio

tô no meio da estação

vem o trem eu vou inteiro

lá do fundo do vagão

contemplando a cidade

vou partir pra liberdade

a moto perto do carro

você olha e sorri

você parece com ele: bum!

você não vai mais sorrir

eu queria ler um dia n’O Povo*

algo mais sobre o sorriso das plantas

você não tem nada com isso

mas eles te levam também

paranóia

ninguém segura ninguém

que talvez tá tudo certo

a gente não é nada mesmo

um graveto na linha do trem

é igual à cabeça que ficou

já que o corpo não se achou

quando os olhos perdem o brilho

nada muda

tudo é mudo

tudo é como tanto faz

Rio, 28/06/1991

*jornal em circulação (não sei se ainda circula) à epoca no Rio de Janeiro