Sem palavras
Aquela criança de olhar desvairado no farol
Você viu?
Do incêndio que destruiu a favela
Você soube?
A decadência da cidade
Você assistiu?
O pai que chora o filho
A mãe que chora o filho
E ainda os filhos que choram os pais?
Você também chorou?
Os passos desenfreados da violência
Você escutou?
E os desmandos no Congresso
Você lamentou?
Quando a Seleção paga mico
Você ri?
Do amigo
Você lembrou?
Na mão do pedinte
Você tocou?
E ainda a música bonita
Você cantou?
Em alguma poesia
Você se inspirou?
E dos problemas
Você falou?
Direitos e deveres
Você honrou?
E a felicidade
Você reivindicou?
E com a fome dos excluídos
Você foi solidário?
O quadro bonito
Você pintou?
No pano a letra do seu agrado
Você bordou?
E com a injustiça
Você se enojou?
Com a mentira deslavada
Você vomitou?
E o terror silencioso ou declarado
Você ao menos notou?
Por um país melhor
Você realmente brigou?
Com mudanças bruscas no tempo
Você se irritou?
E a sua vida chata e monótona
Você mudou?
Quem é você?
Que não vê
Que não sabe
Que não assiste
Que não chora
Que não escuta
Que não lamenta
Que não ri
Que não lembra
Que não toca
Que não canta
Que não se inspira
Que não fala
Que não honra
Que não reivindica
Que não é solidário
Que não pinta
Que não borda
Que não se enoja
Que não vomita
Que não nota
Que não briga
Que não se irrita
Que não muda…
O que é você?
E a ironia
É que domingo você vai à missa
Abaixa a cabeça
Face contrita
Disposto a tudo aceitar
Olhar vencido
Suspiro resignado
Agindo como se tudo o que restasse a fazer
Fosse apenas rezar…