O pequeno acéfalo
Com meu corpo repousado
sobre essa cama rígida
observo a chuva
que molha a cidade.
O choro do vitral
não é nada comparado
as minhas lágrimas
que encharcam aquele
que tornou-se um algoz querido
que abraço e comprimo
contra meu peito.
Ah! Mas como meu Deus, como?
como poderia imaginar
que naquele dia em que
a cidade molhava-se
receberia essa noticia
que causaria-me essa tamanha angustia
e dolorosa dúvida?
Eu, uma infeliz infortunada
passando por um problema
de míseros.
Porém, a duvida logo se foi
junto com a bolsa, o único
lar seguro do pequeno.
A agonia roubou-me a noção do tempo,
e também obrigou-me a sair
pela cidade em pranto
e a dor deu seu lugar a uma maior.
Aquela dor que torturava a alma,
dor que nem meus gritos
podiam aliviar. Oh tortura de mãe!
Minha boca, que o suor e as
lágrimas salgaram, agora se comprimiam
no desconsolo da perca
enquanto olhava para o vitral
que também chorava.
A dor acabou subitamente e
quando meus braços envolveram
aquele pequeno, senti o que não
sentia a muito: paz.
Todo pesar fora compensado
no pequeno silencioso - Deveras,
seu corpo tremulo era o único
sinal de vida - que repousava
sobre seu leito eterno.
Momento mágico como aquele
nunca irei sentir enquanto meu
coração ainda bater.
Momento em que o mundo silenciou,
e meus olhos apenas viam
o pequeno, quando, toda a
euforia voltou de repente,
e um braço tomou-me o pequeno violentamente e...
Ah, meus olhos só poderiam estar mentindo!
O braço não poderia estar segurando meu pequeno!
segurava um corpinho morto, não!
mas sim...
segurava o meu pequeno morto.
A dor do parto era aconchegante
quando comparado a essa.
Largaram-me nessa salinha
onde eu e o vitral choramos.
Mas não me arrependo
de ter tomado tal decisão,
pois opção eu tinha. Sim...
preferi carregar por 9 meses
um feto sem cérebro
a abortar