Tudo na vida passa
Tudo na vida passa –
O moço contempla à janela
Do outro lado a moça à vidraça
E se de repente vem pela donzela
Uma paixão que nele nasça
O que sua visão no instante revela
Isso um dia também passa.
Tudo na vida passa –
A moça que na igreja se faz santa
Pode a um passo conhecer a desgraça
E o véu que o faz de manta
Escorrega pelo corpo em cautela
Faz-se a colcha que a cama abrilhanta
Para aquecer os homens dela.
Tudo na vida passa –
A bela moça uma vez pura
Há de deixar que outro a aqueça
E quanto maior for a procura
Menos seu coração se gela
Em tantos braços de aventura
Que morrem de amor nos braços dela.
Tudo na vida passa –
O aconchego que traz calor
Dura como vinho numa taça;
E hoje se nos aquece um amor
Não se sabe da sina futura
Se o alento hoje abrasador
Trará no porvir desventura.
Fez-se de sólido o que ontem era massa
E deu-se a parede erguida.
Fez-se do concreto a argamassa
E assim a vida se constrói.
Nada temos em nossa mão
Só podemos carregar o coração
Se a chuva forte a tudo destrói.
Tudo na vida passa
Desde o sucesso transitório e passageiro
Que nos recompensa a labuta dura
Pelo trabalho de um ano inteiro
Até os desejos que a gente traça
Quando vem o destino rasteiro
Mostrar que tudo na vida passa.
Ainda a suave juventude e beleza
Deslizam pelo tempo em breves primaveras
Pois os anos nos dão na carne a certeza
Das eras nascidas no rosto
Mostrando que o tempo agiu com destreza
Sem se importar com o nosso desgosto.
Também o poder e a glória
Que se tão veloz se levanta
Quase não marca na história
O curto percurso de o seu existir
E subindo tão rápido na trajetória
Mais ligeiro trará o seu cair.
Ainda o que nos ameaça a vida
Tais preocupações e sofrimento
E as dores que nos trazem recaída
Ensinam-nos que nada é constante
E que a esperança nunca é perdida
No que hoje nos parece gigante.
Tudo na vida passa –
A semente uma vez plantada
Amanhã é árvore
É fumaça.
A vida é efêmera e num instante
A vida passa.
E passa o tempo
E passatempo
E ao tédio tem-se a cachaça
E ao choro põe-se a mordaça
E pra isso não há trapaça
Pois a vida que a gente passa
E sofre e chora
E grita e vive e vê
Não há quem a desfaça
Não há nada que satisfaça
Só outra vida
Só outra pele
Ou outra mordaça.
Ou outra casa
Outra vidraça
Só outra igreja
Outro canto
Ou outro calor.
Mas se não vemos graça
Do jeito que a vida passa
Perdemos da vida o sabor.
E não há nada que a gente tente
Por mais que a gente lute
Por mais que a gente invente
Por mais que a gente faça
Para o bem ou para o mal
Tudo na vida passa.
Denis Rafael Albach