Os Ninguens

Sonham as pulgas com comprar-se um cachorro

e sonham os ninguéns com sair de pobres,

que algum magico dia chova de repente a boa sorte, que chova a cantaros a boa sorte; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem em chuviscos cae do céu a boa sorte, por muito que os ninguéns a chamem e ainda que lhes coce a mão esquerda, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano trocando de vassoura.

Os ninguéns: Os filhos de ninguém, os donos de nada.

Os ninguéns: Os nenhuns, os nenhuneados, correndo a lebre, morrendo a vida, fudidos, refudidos:

Que não são, ainda que sejam.

Que não falam idiomas, e sim dialetos.

Que não professam religiões, e sim supertições.

Que não fazem arte, e sim artesanato.

Que não praticam cultura, e sim folcloreo.

Que não são seres humanos, e sim recursos humanos.

Que não tem cara, e sim braços.

Que não tem nome, e sim numero.

Que não figuram na história universal, e sim na crônica vermelha da imprensa local.

Os ninguéns, que custam menos que a bala que os mata.

Eduardo H
Enviado por Eduardo H em 24/06/2012
Reeditado em 24/06/2012
Código do texto: T3741776