FILOSOFIA DA ARTE
"eu não gosto do bom gosto..."
('senhas' - a. calcanhoto)
quero nunca mais dizer:
“eu não gosto dessa música”
“eu não gosto desse quadro”
“isso é feio”
“essa pessoa é feia”
que cale minha boca
cheia de dentes irregulares
e caciquismo dodecafônico
certo dia, há muitos anos
chamei de feio um ser humano
foi então
que alguém mais humano que eu
ofendeu-se, corajosamente, com minha visão limitada
e minha expressão arrogante de sarcasmo imbecil
– e nada ofende mais que a ignorância deste tipo
aquela sinceridade besta que mais é grosseria do que outra coisa…
senti o peso da vergonha
que abateu-me ao chão como golpeado por bumerangue mágico
providencial
a vergonha de ter ofendido alguém
com meu gosto em rotular
e com minha feiura
com a feiura do meu olhar
toda vida
toda marca
toda tortuosidade
toda disposição estética
toda arrumação ‘incoerente”…
que as coisas tenham o direito de ser da forma que são
quebre-se toda e qualquer corrente
de belezas e verdades forjadas
aparelhadas ou modeladas
todo gelo nos olhos
quebrem a cara os donos do bom gosto
os deuses da seleção artificial
a cara blasé de uma pseudo-indiferença pequeno-burguesa
em tristes mesas de bar
respeite-se o canto dos desprovidos
sua criação e sua xerox borrada
pois vida é fanzine de xerox
recortes de revista, cola e xerox
respeitem-me
sou feio e desprovido: xerox borrada
respeite-se o orgulho estético dos pobres deste mundo
e foda-se a grande arte
com sua pretensa originalidade
silêncio!