Menino de Rua
Abri a caixa
De dentro pra fora
Vi a vida sorrir e acenei
Com choro recém-nascido
Entretanto ali estavas
Tal qual megera-madrasta
Olhar petrificante e cinza de asfalto
Eras tu a encarregada de zelar
E de calar, sem leite e sem ninar
Colo quente de asfalto, criança nos braços
Teu sorriso, mentira risonha, encantava a familia
E a plateia a dar de ombros...
Circo macabro, invisível aos passantes
Quando pois, disseste vem
Em teu colo me aconcheguei
Teu leite viscoso, quase maternal
Era quente não de amor,
Mas de pura fisiologia, e quiçá de dor
Um dia mamãe-sociedade
Igual os moleques aqui de casa (viaduto e praça)
Serei manchete nos jornais que me cobrem à noite:
Mais uma alma encontra salvação, na bala perdida
No frio faminto da madrugada...
Sigo agora, mamãe, a marcha dos mortos
Rumo ao céu dos desvalidos
Banhe sempre em tua banheira de pedra
Meus irmãos de osso e pele
Dê a eles a água suja e fria que me lavava
E me matava a sede
Obrigado, mãe-pátria
Linda mãe de pedra, estátua na nossa casa-praça
Papai em seu cavalo também de pedra,
Ergue a espada, grita e recita
Em memória de mim,
Um ode, à pátria que me pariu.
(Um homem vale a carteira, o carro, os diplomas,
os votos e as gravatas que tem...
... agora e na hora de nossa morte, amém )