Menino de Rua

Abri a caixa

De dentro pra fora

Vi a vida sorrir e acenei

Com choro recém-nascido

Entretanto ali estavas

Tal qual megera-madrasta

Olhar petrificante e cinza de asfalto

Eras tu a encarregada de zelar

E de calar, sem leite e sem ninar

Colo quente de asfalto, criança nos braços

Teu sorriso, mentira risonha, encantava a familia

E a plateia a dar de ombros...

Circo macabro, invisível aos passantes

Quando pois, disseste vem

Em teu colo me aconcheguei

Teu leite viscoso, quase maternal

Era quente não de amor,

Mas de pura fisiologia, e quiçá de dor

Um dia mamãe-sociedade

Igual os moleques aqui de casa (viaduto e praça)

Serei manchete nos jornais que me cobrem à noite:

Mais uma alma encontra salvação, na bala perdida

No frio faminto da madrugada...

Sigo agora, mamãe, a marcha dos mortos

Rumo ao céu dos desvalidos

Banhe sempre em tua banheira de pedra

Meus irmãos de osso e pele

Dê a eles a água suja e fria que me lavava

E me matava a sede

Obrigado, mãe-pátria

Linda mãe de pedra, estátua na nossa casa-praça

Papai em seu cavalo também de pedra,

Ergue a espada, grita e recita

Em memória de mim,

Um ode, à pátria que me pariu.

(Um homem vale a carteira, o carro, os diplomas,

os votos e as gravatas que tem...

... agora e na hora de nossa morte, amém )

Eron Levy
Enviado por Eron Levy em 01/04/2012
Reeditado em 10/12/2012
Código do texto: T3588460
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