Visita à cidade
Percorro as ruas desamparadas
E não sei o que lhes suja a paisagem.
Não sei se a bruma seca que a cerca
Se o cinzento infindo que a enclausura
Se este silêncio
Conivente
Com coisa má,
Com menos boa...
Com o pouco importa
Com o tanto dá!
Não sei se são as horas
Que não passam
Ou se os anos
Vindos de outra era
Que se atrasam
E refazem
Dia após dia
O desespero de tanta espera.
Dirá alguém
Ser a estiagem do momento
Travestida em contento
No prelúdio da campanha
Quando tudo é ouro
Quando tudo é luz.
Luz?
Convenhamos!
Só para rimar
Se dirá que a cidade seduz.
São as poças que pululam
É essa eterna indiferença
Que à violência sentencia
E a dor de todos pressagia.
E há o contraponto bucólico
Em diária ironia
De vacas pastando na via
Ruminando o duro e o escuro
Da calçada que se esvazia.
Não sei o que te suja a paisagem.
Se o discurso de eterna lavagem
Se a versão digital de ‘o Rei vai nu’
Se a incerteza da miragem
Da praça cosmética
Com que nos brindas tu.
E quem se importa
Entretanto
Com o ócio e o lazer
Do modo de vida urbano
Tão depressa a crescer?
Se é isto capital
Queremos cinema
Pois então!
Que seja algo permanente
Não efémero festival
Não ano-sim-ano-não
Mas de sala sempre aberta
E a cultura sempre em oferta.
Vem.
Diz-me se é outro lugar
A cidade onde vives.
Se tem contentor luzente
Transbordando lixo emergente
Da poluta urbanidade.
E diz-me se tem
À volta
A desumana verdade
De uma infância à solta
Num abandono crescente.
Uma pausa no percurso.
Tomamos fôlego agora
Ou preferes outra hora?
Que seja hora conhecida
Não da que se esvai num discurso
Que dilata a espera
Da cidade que desespera.