Canção aos dias pueris

Assoviei uma canção ao ouvido da hora menina

E ela mostrou-me os espinhos e as pétalas da saudade juvenil.

As pétalas douradas agraciavam as manhãs abertas e claras.

E os espinhos furavam o coração do crepúsculo cinzento.

Uma mão esticada ao vento pedindo uma nesga de flor

Com o sangue fanado ao chão.

Esses dias já se foram. Mas ainda não acabaram.

Mãos e espinhos compartilham a mesma verdade.

A verdade sã de plantar e não poder colher perfumes coloridos.

Mas a de colher dor.

Selvagens repreensões que zuniram por aí

Quando Zumbi desnudou as vestes negras e brancas,

Quando a intenção era resgatar a virtude

Que Prometeu furtou e a espalhou entre nós como uma gota de luz.

Esses dias pueris estão espalhados na memória da “Depressa”

Espera fatigada de Agostinho Neto.

E a canção revoa nos tamborins das ladeiras

Rasgando o tímpano suicida.

Procurem pelas alpercatas. Procurem os caminhos

Que o látego traçou e encontrarão os rostos

Anônimos e pardos.

Encontrarão os monumentos que os abrigam

E servem de travessia.

Essa é a sincera equivalência contrária do contraste

Da pétala e o espinho.

E a canção ainda tamborila em nosso coração.

Márcio Ahimsa
Enviado por Márcio Ahimsa em 14/01/2007
Código do texto: T346800