PARRÉSIA

A minha frente

há uma multidão:

Meu olhos fitos nos semblantes de todas aquelas pessoas

com suas bandeiras coloridas e seu desejo de ser manada,

com sua força incomensurável e o seu medo de não ser maré revolta

que destrói e se imiscui

Meus olhos fitos nos semblantes de todas aquelas pessoas

com sua contagiante decisão argilosa e ignorante;

tempestade de carne e ossos condensada num big bang em inércia

Quero cuspir-lhes na cara

todas as malditas verdades

que os oprimem a séculos

Mas não o faço...

sinto-me envergonhado,

pois todos me observam

Estremeço

Me abaixo, escondo o rosto com as mãos,

não posso mais encará-los

Eles começam então a gritar;

querem humilhar minha presença

Não me importo com seus insultos,

esses imbecis são sempre inofensivos

ou quase sempre

A euforia contagia toda a iníqua multidão

De olhos fechados ouço

a histeria, os gritos, a confusão

Calem-se - eu grito

Sabe o que vocês são?

São números...cada um aqui é somente um número,

vocês são pedaços retangulares de papel verde,

suas personalidades foram resumidas

a números de registro social,

vocês são seus RGs, nada além disto

Sempre se submeteram a essas leis infames,

sempre foram subservientes, o que há com vocês?

Por que são tão covardes a ponto

de se torturarem desde suas manhãs juvenis

até o anoitecer de suas vidas?

Me calo e observo:

estão atônitos

Talvez nunca tivessem pensado assim antes

De repente alguém na multidão grita:

- Vamos matar esse maluco,

ele nos ofendeu, vamos linchar esse filho da puta!

Foi então que a multidão avançou sobre mim

e me matou

Morpheus