AMA DE LEITE - SUBORDINAÇÃO, LUXO E AMOR
És um símbolo e escrava,
A ama de leite, tem raça...
Calma, tu não reclamava;
E este amor é tua graça.
Amamenta filho e filha,
Por dever de vocação!
Talvez o luxo te humilha,
Diante desta obrigação!
Da prole é distanciada,
Suas maiores riquezas...
Alimenta-os tão calada,
No agrado as nobrezas.
Pelos seres pequeninos,
Com certeza se apegava,
Tê-los fortes em destinos,
Futuro que bem cuidava.
E no princípio era assim,
Dominada em fidelidade;
Escravidão teria um fim,
Mulher, negra, liberdade!
A sua figura tem histórias
Humanitárias, tão restrita;
Mas, ficariam estas glórias,
Nesta sua herança escrita?
Hoje em dia é raridade,
Ao vermos esta atitude...
Um exemplo de caridade,
Sem orgulho de virtude.
E são amas consagradas,
Que tem o valor por amor;
A segunda mãe delicada,
Sem ter amo, nem senhor!
Apenas a Deus obedecem,
Por esta tua divina benção,
Dela, os pais não esquecem
Pelo filho, a sua dedicação.
Setedados 777
Saiba um pouco mais sobre as amas de leite.
O leite humano sempre foi o alimento principal do cardápio de um bebê. Fonte essencial do cálcio necessário para o bom desenvolvimento dos ossos, era enfatizado pelos médicos do século XIX como “santo remédio” para vários males. Se a mãe de uma criança senhorial (entenda-se criança branca e, normalmente, de família abastada) não tinha leite suficiente, ou não queria, ou não podia amamentar, mas tinha condições de alugar ou comprar os serviços de uma ama-de-leite, tanto melhor para aquela criança, pois tal medida adiava a introdução precoce de leite animal e de misturas e papinhas variadas, para os quais seu organismo ainda não estava preparado. Até a abolição da escravatura no Brasil (em 1888), muitas das amas eram escravas que pertenciam à própria família, ou que eram alugadas para tal. Porém, várias delas eram separadas de seus filhos naturais, para que pudessem “criar” os bebês senhoriais. Poucas tiveram a sorte de serem autorizadas a “dividir” o seu leite entre o próprio filho e o bebê branco. Nos álbuns fotográficos sobreviventes de famílias brancas do século XIX figuram poucos empregados domésticos, dentre eles, a maioria está em retratos de amas (amas-de-leite ou amas-secas) com as crianças brancas por elas cuidadas. Até onde se pode supor, as amas foram levadas aos estúdios, inicialmente, pela vontade dos senhores que, ou queriam uma foto da ama que com tanto carinho e dedicação estava criando o seu bebê (e por quem podiam até ter um afeto verdadeiro, ou apenas uma certa gratidão); ou queriam agradar à ama, lhe ofertando uma bonita foto sua com a criança por ela criada (talvez, quem sabe, primeira e única foto que a ama teria); ou estavam mesmo era querendo uma foto da criança, que não parava quieta em outro colo, a não ser naquele dessa que lhe era mais íntima – a sua ama-de-leite, ou a sua ama-seca. Caso o motivo não fosse nenhum desses, qual seria? Nos estúdios dos fotógrafos da segunda metade do século XIX, as amas foram colocadas a posar eretas, elegantemente vestidas, algumas mesmo ricamente vestidas à moda européia ou à africana, com tecidos finos, xales, às vezes portando jóias, com os cabelos e/ou turbantes arrumados, sentadas em cadeiras de espaldares rebuscados, tendo, geralmente, a criança ao colo ou ao seu lado. Eram representações simples em termos de cenário, para que a atenção do observador da foto não se desviasse do que interessava: a criança e a ama retratadas de uma forma que se pretendia positiva. Naquele tipo de foto tentava-se passar uma idéia de harmonia e afeto (comum também nas fotos de mães com filhos produzidas nos estúdios), num período no qual o uso de amas estava sendo condenado sistematicamente pelos doutores em medicina e por moralistas, num período no qual se procurava desvalorizar, em certa medida, o seu tipo de trabalho, enquanto se incentivava a imagem da “boa mãe”, a mãe branca que amamentava os próprios filhos. Logo, apesar de toda a contradição da situação, as amas retratadas em estúdios fotográficos (e que tiveram suas fotos conservadas junto às fotos das famílias às quais serviram) teriam sido aquelas consideradas como “boas amas” – as amas que teriam, supõe-se, preenchido os numerosos pré-requisitos a serem observados no ato de escolha de uma ama (também enumerados sistematicamente pelos doutores em medicina) – e, de uma certa forma, teriam elas conseguido “superar”, perante aquelas famílias senhoriais, as várias suspeitas, conquistado alguma confiança e sido vistas com bem-querer, ou mesmo como um bem. Não podemos também deixar de lado o fato de que, para muitos, a encomenda daquele tipo de foto podia significar simplesmente mais uma moda a ser copiada, mais um tipo de encenação que estava em voga no período, mais uma forma de auto-representação da família senhorial: a foto da criança com a sua ama – retrato que tão bem poderia vir a compor o leque de “assuntos” do álbum da família. No entanto, o que mais interessa ressaltar é que as amas, que também não teriam sido levadas aos estúdios desavisadas (algum tipo de negociação certamente acontecera), conseguiram trair a pretensa harmonia daquelas fotos e deram, umas mais e outras menos (é claro), um “jeito” de participar da construção daquele que também era o seu retrato; as amas também se deram a ver. Todos os envolvidos no processo de feitura dos retratos usaram as estratégias de que dispunham, e cabe a nós hoje tentar desvendar o possível mistério daqueles registros, decodificando seus numerosos indícios, fazendo uso das estratégias de pesquisa e interpretação de que dispomos, para tentar entender uma pequena parte daquela história.
Ps. Dados pesquisados na internet.