Autoridade Kafkiana

Foi para esse momento que toda minha psique

heróicamente convergia, quando a abri, sabia

que a quantia dos meus cortes nunca fora importante

são só as lembranças fisicas do meu passado distante

Não se preocupe, a culpa do crime não é sua

só espero que se lembres, de alguma forma,

que a culpa também não é minha, nunca foi

sou apenas um irmão contemporãneo de Kafka

Kafka, és um dos poucos homens nessa Terra

que sabias classificar essa minha interna aflição

com as palavras que eu mesmo nunca escreveria

tú entendes a mim como se eu fosse você mesmo

Por varias vezes eu me confronto com alguma idéia

de natureza intrinsicamente complicada de expressar

misturo quase que randomicamente termos incompletos

no fim, desisto e penso: acho que Kafka me entenderia!

Quando digo que sou forte sem musculos no meu corpo

e que um dia eu fui eleito o servo-mor sem nunca ter sido

sinto-me como algum palhaço palaciano quando eu afirmo

que minha sombra densa e escura nem sempre está comigo

E ninguém consegue perceber, por mais que revisa as palavras

que me acho forte por só ir chorar a sacrossanta dor dos outros

que amar a um outro alguém e ser um escravo é quase o mesmo

Que a valorosissima essência da minha sanidade mental

da qual fiz da minha densa sombra somente rala alegoria

por varias vezes foi ciança, a brincar de esconder comigo

Pois sou fraco: não como em um estado subjetivo

a fragilidade é a minha estação metafisica eterna

desse transporte mal cuidado de uma alma confusa

que os médicos que me trataram chamam de corpo

Poderia aguentar a dura autoridade da policia

suponho reduzir-me a insignificância do verme

ser o limite do suportável também

mas tú és mais do que tudo isso

és um mal estar que não metabolizo

Sim, de joelhos eu vou e confesso

traria cólera, sendo meu presidente

viraria ódio se fosse uma namorada

mas como és a principal autoridade

suas leis são fortes demais para mim

A sonoridade de seus grandiloquissimos monólogos

vou e os transformo na cacofonia de minha gagueira

a narração da grande epopéia dos seus heróicos feitos

foi a diretriz que eu usei para meus fracassados versos

Tú notaste tudo isso um pouco cedo demais

e decidiste prontamente, como sempre fazes

que para o próprio bem de nossos personagens

eu fosse deslocado para alguma outra realidade

É compreensível o fato de querer manter distancia

não arriscaria, de forma alguma, que fosse sugado

pela tendência que tenho de fazer pesar a atmosfera

é incrivel como um saco quase vazio de ossos secos

possa ir fazer mudar meus arredores tão rapidamente

Fizeste o máximo que podias fazer,

sendo o teu máximo o meu infinito,

para que eu fosse me alistar sem maiores consequências

sabias de antemão que o seu Estado me quebraria todo

ou apenas estava tendo um acesso de ciumes doentio

Sim, pois dentro de minha própria casa por vezes fui

aquele que não conseguia seguir as suas órdens direito,

aquele que não distinguia um “não” de um “não senhor”

aquele que respondera com um pobre texto literário seu

um sonho que tão abertamente degladiava com esse teu

Fui aquela falha genética que quase morreu no parto

e que agora tenta inutilmente (como sempre) conciliar

o órgão molambo da sua lingua com

uma suposta grandiosidade de idéias

Sou aquele homem que é julgado sem saber a pena

e pior ainda, foste você o escolhido para ser o juiz

para que o ato do processo me fosse um fracasso pessoal

mais um para se unir a longa lista que eu tenho na memória

Ah, minha drogada mémória! Camâra plastica do cérebro

cansada de tanto remodelamento quimicamente artificial

enjoada das doses, overdoses e sindromes de abstinencia

de pilulas que juraram ser a chave mitológica do Mundo!

Oh Mundo, natureza antropoligicamente cruel

expulsaste-me das tuas enormes entranhas geográficas

do modo mais horrendo possivel, com toda a violência

ensinas-te a mim o modo como odeia suas crias!

Ajudai, ajudai! Alguém tenha piedade de mim

creio no estudo como fazem católicos fervorosos

ao mesmo Deus que eu escolhi também ir seguir

mas moro num país onde és votada querida rainha

aquela que mostrar mais de seu corpo sem estar nua

As falas que eu julgo valerem os ouros de minhas finanças

vão de choque completo com um monumento da ignorância

a face estatica e calma com que toda sociedade me contempla

Aqueles que se veêm como purificadores de seu próprio povo

olham para o meu discurso e dizem: quem sabe ele esta louco?

É de nosso grandessíssimo dever achar onde interná-lo

ninguém defende o valor de minhas escrituras seculáres

não há uma pessoa que interprete minha visão de mundo!

Olho para a minha grande estante de livros uma ultima vez

e o teu semblante ainda indeciso entre um sorriso sarcastico

faz-me lembrar do quanto que eu me espelhei em teus textos

imagino toda a rigidez da camisa de força que terei que usar

Adeus Machado: tua ironia me fizeste rir como nenhum outro

até mais tarde Augusto: mostras-te o futuro dessa minha carne

mas de todos os autores de que mais sentirei falta obviamente

Serás tú Kafka, nunca saberás como inexplicavelmente me entendes

viveste em outra era com outra autoridade sobre suas costas magras

mas sobre as minhas costas magras jaz o sobrepeso de uma autoridade

Por favor nunca se esqueça que eu também fui injustamente julgado

sem saber exatamente qual fora a temerosa gravidade do meu crime

reclamas que por vezes lhe vem uma melancolia, não sabes da onde

quero que saibas que agora vem me visitar a tua estranha melancolia!

Ernani Blackheart
Enviado por Ernani Blackheart em 09/12/2011
Código do texto: T3379386
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