Cidade só

A cidade estava só

e os pássaros não quiseram

os galhos das árvores.

A cidade estava só

em rua e caminho

e olhos guardados nas janelas.

No semáforo sem autoridade,

sanidade atravessa fora da faixa.

Cidade.

Minha cidade só e sem pai.

O Deus que aqui olhava

ocupa-se agora de baixa filosofia,

pensa na hierarquia dos anjos de pedra

estacionados nas fachadas das igrejas,

pensa que amoleceram, esconderam as asas.

E desses que caíram e andam por aí

armando nós nas gargantas,

não quer mais a imagem, semelhança.

Cidade.

Minha cidade só e sem mãe.

Nossas senhoras escondidas

porta adentro dos altares das casas

queimando velas e palavras de ladainha,

desejosas de seus filhos no lar,

não na cidade, que há de ficar só.

Essa cidade é medo que anda a pé.

Cidade.

Minha cidade só e sem mim.

Nota: originalmente escrita na ocasião da onda de violência (ataques do PCC) sofrida por minha cidade, São Paulo.

Felix Ventura
Enviado por Felix Ventura em 06/01/2007
Reeditado em 30/01/2019
Código do texto: T337904
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.