Jardins do Inferno 25/11 Dia Internacional da Não Violência Contra a Mulher

Dia internacional da Não- violência contra a mulher – 25/11

OS JARDINS DO INFERNO

Sentada...

Cansada...

Despida...

Caída...

Em minha volta só vislumbro a dor

Só enxergo o desespero e a opressão

E as gotas do sangue... Não o sangue de minhas feridas e hematomas

Mas a fenda profunda aberta em meus seios

Uma lacuna que separa o ontem do agora

A visão distorcida de mim mesma que proporciono aos que agora me rodeiam

Coitada!

Vadia!

Safada!

O que ouço meu Deus... Eu não fiz por merecer

E mesmo se fizesse não me é digno morrer

Mas na verdade nem mesma eu me acho digna de continuar a viver

As lágrimas que estampam os rostos de meus filhos

Testemunhas oculares do infortúnio

Cúmplices inocentes do meu martírio

Um martírio que começou aos pés de Deus

Numa tarde linda em que a esperança era a figura central de minha tela

O amor fraternal

O amor material

O amor incondicional

As juras que juro terem sido sinceras

As carícias de um jardim florido que antecedia ao inferno

Um inferno que me fora apresentado por etapas

Foram ofensas... E me calei

Foram palavras... E me calei

Foram gritos... E me calei

Foram socos... E me calei

Humilhada desde o final das guirlandas e da grinalda

Que me fez bela e radiante

Um retrato oposto do que fui dali em diante

E ainda insisti em dizer sim

E ainda consenti em procurar em mim erros que não existiam

De me fazer vilã, quando na verdade meu buquê ruía

A obscenidade de cada uma das traições que consentia

A vergonha explícita de perdoar quando mais me feria

A devoção eterna a quem nem um beijo merecia

Tapas dados

Mentiras contadas

E eu... Calada...

Um pedaço de carne morta para ver em mim “a eleita de seus prazeres”

Prazeres que me ofendiam

Prazeres que me dilapidavam o que ainda restava de moral

Que distorciam tudo o que pensava sobre o prazer

Um prazer dele

Um gozo dele

Uma possessão dele

Um objeto d’ele

Uma maldição minha

E eu me calei

Calei-me diante da vergonha

Calei-me diante do preconceito

Calei-me diante do ódio a mim mesma

Calei-me por medo

Por opção

Por opressão

E agora num canto de quarto

Luzes de polícia

Sirenes de ambulância

Caída... Como estão caídos os meus sonhos

Caída... Como caídos foram meus desejos

Caída... Como foram cada um de meus dias

Caída... Como um pedaço de antes

Um corpo que suspira

Como suspirou por amor

Como ansiou por caricias

Uma alma que clamou por atenção

Que desistiu da traição

Que desistiu de amar

Que desistiu da vida

Inconsciente e incoerente

E as portas dos jardins do inferno

Ainda está lá o meu corpo

Morta...

Pois não me calei

E o tiro me acertou nos seios

Os mesmos seios que me juraram afeto

Os mesmos seios que alimentei aos nossos frutos

Os mesmos seios que protegiam meu coração das feridas

Não protegeram mais

Pois eu não mais me calei...

Mas já era tarde demais...

Consenti com a dor... E fui cúmplice de minha própria morte...

Sérgio Ildefonso 23.11.2006

Obra registrada, mas de domínio público.

Sérgio Ildefonso
Enviado por Sérgio Ildefonso em 24/11/2011
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