POEMA FILHO BRASILEIRO

Um poema meu não tem motivo para nascer

É filho desgarrado

Da injustiça e da falta de ética.

Um poema meu nasce prematuro,

Vai crescendo de acordo com o que vive

E morre tentando mudar o mundo.

Um poema meu não tem casa

Vive pelas ruas andando perdido

Por entre os becos mais escuros.

Um poema meu não tem comida na mesa

Passa fome de conhecimento,

Um poema meu não tem voz, só sussurros

Que ninguém escuta,

Um poema meu não é culto

Fala do jeito que quer,

Do jeito que foi ensinado,

Um poema meu tem educação sucateada

Por isso trabalha

Na construção civil,

Um poema meu bate massa, senta tijolo, reboca parede.

Um poema meu canta o hino do Brasil

Na final da copa,

Um poema meu reúne a família no Domingo,

Come churrasco de ‘gato’

E ora ao Senhor pedindo melhora,

Um poema meu vota por cara na eleição

E no horário eleitoral desliga a TV,

Um poema meu fica nas esquinas com os amigos,

Enche a cara volta soberbo alardeando seus problemas

Nos quatro cantos do mundo.

Um poema meu vai a feira pechinchar,

racionaliza pra não faltar.

faz gato de energia,

volta todos os dias cansado,

acha que um dia vai melhorar,

agradece aqui não ter furacão,

Um poema meu tem o coração

Maior que o de todos os povos,

Um poema meu é sofrido,

Tem estampado na testa

A ferro e fogo

Que quer justiça,

Um poema meu vai sem saber se voltará,

É carrancudo e vacinado,

Um poema meu é armado e marginalizado

Tendo de sustentar a família desde cedo,

Um poema meu está nos sinais,

Limpa vidros, vende no ônibus,

Pede esmola, prostitui,

Um poema meu é vitima do trabalho escravo.

Um poema meu é discriminado,

Tem cotas pro meu poema na universidade.

Meu poema é pobre,

Favelado, proletariado, ouve tiro e já aprendeu a se esconder.

Meu poema sabe que não saber de nada

É a melhor solução,

Meu poema vai preso quando não tem culpa,

Meu poema tem medo de policial

E acoita o ladrão,

Meu poema quer sobreviver

E acha isso difícil,

Meu poema é desrespeitado por seus representantes.

Meu poema quer tirar proveito também.

Meu poema é injustiçado.

Tem sede de dias melhores.

Meu poema tem de ser calado, não tendo opinião,

Meu poema ambíguo quer sorrir

Mas o sofrimento não deixa,

Quer abraçar mas as mãos calejadas

Machucam os outros,

Meu poema é repetido, debatido, condenado.

Meu poema é filho das grandes massas de oprimidos,

Não tem partido político, é socialista.

Poema que harmoniza com seus semelhantes,

Meu poema não tem estado, é nordestino, sulista, nortista.

Meu poema é bandeirante. Meu poema sofre com a seca,

É lavrador sem terra, sem caminho, sem pedaço.

Meu poema não tem pátria certa. Hora é americanizado,

Hora enaltece sua gente, meu poema não acredita em democracia,

É obrigado a votar e se alistar.

Meu poema corre nas esquinas, não é de assembléias,

Meu poema tem carteira de sindicalista,

Paga imposto sobre a própria morte.

Um poema meu tem que dormir de olhos abertos

E vigiar as portas trancafiadas a sete chaves, entre portões, muros e grades.

Vive entre a espada e o escudo, com o dedo no gatilho,

No olho por olho, dente por dente.

Um poema meu sabe o futuro que lhe espera

Por isso intransigente estuda sem parar.

Um poema meu paga o que devia ser gratuito.

Sol no rosto, o suor na boca, nos bolsos um pedaço mofado de papel,

O poema que é meu escrevo assim e me orgulho,

Por que não o perfumo, não o camuflo,

Ele vem nu e cru, do jeito da sua origem,

Poema que luta com todas as forças, não entrega os pontos.

Meu poema não desiste nunca,

Meu poema é pátria Brasil, Pará,

Poema filho brasileiro.

Diego Duarte
Enviado por Diego Duarte em 04/11/2011
Reeditado em 25/02/2013
Código do texto: T3317078
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