Condenada
Seu olhar era um tribunal inteiro
a me julgar,
a vasculhar minha alma
como se fosse um quarto dos fundos
a revolver as coisas,
os sentimentos,
as palavras
e até suspiros
O vento que entrou
pelas frestas
Pedia licença
apenas para passar
E o fuzilamento
de sua indignação
Tinha mil megatons
destrutivos e poderosos
Não fazia cogumelo de fumaça,
Não produzia estrondos,
nem clarões
Apenas um silêncio,
um olhar
e o julgamento final
Estou condenada
Eu sei.
Inapelavelmente condenada.
Com a culpa a expiar e sem direito
de respirar livremente…
Sem morrer de vergonha.
Aprisionada por seu olhar,
Condenada por sua censura
Expurgada do contexto
Sou apenas mais
uma poesia sem sentido,
sem nexo,
sem compromisso
Que perdeu o bonde,
Que esqueceu da tragédia,
Que pulou da ponte.
Que se suicidou
ao cair da tarde
num dia de primavera
simplesmente porque não resistiu
ver o sol morrer…
Ver o dia fenecer
para nascer a noite
E os eternos
mistérios das estrelas.
Sou aquela que é cruel
com as palavras
e com as pessoas
e não sente culpa
Aquela que fecha a porta
e perde a chave
Que bebeu todo veneno
e não morre
Pois vence a morte e
a vontade de morrer
E sem razão dialética
volta a persistir
por causa da metafísica
Volto a enfrentar
seu cotidiano julgamento
E sem pedir licença,
clemência ou piedade
Continuo com minha dignidade
de jeans rotos e desbotados
Cumprimento-lhe
cerimoniosamente
E, prossigo em meu carma,
Pecando descaradamente
no tribunal
de minha consciência
E pagando regiamente
por minha liberdade.