"Nordeste, Terra e Gente..."
NORDESTE, TERRA E GENTE.
( 24. 10. 1965 )
Ao meu irmão Umberto, com carinho.
Falo agora para o sertão.
Para aqueles que arrancam da poeira
O alicerce verdadeiro da grande nação.
Falo onde florescem cactáceas,
O berço do sol,
O berço do abandono,
Onde a terra não tem dono,
E o dono não tem terra.!
Enquanto falo,
olho desfigurado
a paisagem dura,
onde bois angulosos
se arrastam
Rangendo a areia,
Para as sombras leves
Dos mandacarus..
Falo - sol a pino -
Sobre a planície recortada,
Para o leito seco
de um rio que morreu...
Para o sertanejo bravo
que se consome na estrada,
Na estrada consumida
Consumido se perdeu.
Passam almas,
não passam vidas.
Porque a vida das almas
é outra vida
que morreu com o rio,
que morreu com a chuva
que a areia bebeu!
Passam homens,
Não passam almas...
Porque a vida dos homens
sem a vida das almas,
É um corpo sem sopro,
Uma estrela sem luz,
Uma igreja sem Deus,
Um cristo sem cruz.
Falo para os homens da estrada,
Místicos sertanejos puros
Que arrancam do solo duro
Dos sertões desfigurados
O instinto da preservação.
Falo entre o NADA e a RUÍNA,
E falarei pela noite adentro,
Miraculosa, triste,
Na esperança
Que teus ouvidos me descubram.
Palmo a palmo,
Passo a passo,
lentamente
o mundo ganha sentido diferente,
Palavras tomam consciência:
Aleluia! Aleluia!
Dos sertões esquecidos
Ecoam brados, gritos:
É hora! É hora!
Agora! Agora!
Repente, num relance,
Carcará corta o infinito,
Araponga bate bigorna.
Um anjo magro no avesso,
Desce do céu e num só arremesso
Flecha o sol, a claridade.
Rompem hinos sobre o chão:
Caminheiros, boiadeiros,
Retirantes do país,
Peguem o canto do aboio
Pra acordar esses brasis !
Caiporas e sacis
O NADA se desenterra,
“ O dono” não tem mais terras,
AGORA AS TERRAS SÃO TUAS !
(Ronaldo Trigueiros Lima)
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