Vitrines
Vitrines
a imensidão do concreto
se desfaz nos feixes de luz
nos cegando ao resto
atrás dos vidros a vida se reduz
inflamando o desejo
esquecemos quem somos
tal certeza que nos passam
onde o sensível está nos bolsos
cartões, papéis, ilusões
somos vitrines
o vidro frio e insensível
distancia o calor das peles
o cheiro do organismo
esteriliza todos os níveis
ficamos qual manequins
brancos, duros, sem cabeça
somos vitrines do futuro
vindas do passado
querendo para sempre
para sempre o presente
destroçados pelo eterno
castigados no passar do tempo
então, estático na solidão
da noite fria e escura
parado, vendo o outro lado
o boneco alvo e sem cabeça
e ao focar o olhar
com uma lágrima se espantar
somos nós que ali estamos
nossas cabeças que ali vivem
no ensejo se abandonar
os joelhos sentem o chão,
os dedos, os fios do cabelo
as faces, o calor líquido
os lábios o amargo do salgado
o tempo já não é importante
o bolso não tem relevância
a dor na alma é gigante
somos vitrines na ilusão
do desejo do amor
para saciar o coração
na cobiça do valor
na cobiça
aos cantos do mundo falaremos
e nunca seremos ouvidos
aos becos da vida calaremos
para quem, talvez escutásse-nos
nós mesmos
fechamo-nos para balanço
e entramos em liquidação
o sofrimento se multiplica
na roda da busca da satisfação
mal ou bem, estamos aí
tremendo e temendo
que nos abata a solidão
e ao abrir os olhos
e ao encarar o chão
vemos que dali não se passa
a não ser na hora fatal
mas aí, aí não mais importa
já sem desejos estaremos
como agora
ao ter a pedra na mão
temos que ter a coragem
de atirá-la de encontro
e quebrar a fantasia
ouvir os estilhaços
fazendo música no chão
seremos vitrines
sem a separação
abertos a toques
sentindo o calor
sentindo o odor
ouvindo o sabor
do novo e desconhecido
do toque sensível
do ser