REGRAS DA VIDA VI & MAIS

REGRAS DA VIDA VI

Da vida nada se leva, salvo a mente:

O que guardamos dentro, o que ensinou

À alma, o que ao espírito mostrou

Numa mensagem de brilho permanente.

Portanto, se levamos para o além

Somente a parte espiritual, é esta,

De tantas coisas, nesta estranha festa,

Que deve ter maior valor também.

É o espírito, portanto, esse operário,

Que habilidades traz, que nos acudam

E dele temos de cuidar primeiro.

Assim, o corpo é apenas secundário;

Nem fama, nem riquezas nos ajudam,

Quando se aceita o instante derradeiro.

REGRAS DA VIDA VII

Por mais que nos pareça adversária

a vida é antes nossa treinadora,

que nos prepara a enfrentar a vária

tribulação que nos espera e estoura

nesse momento que menos esperamos.

Portanto, não podemos enrijar:

muito ao contrário, os nossos desenganos

só o mais flexível atreve-se a enfrentar.

A vida é nova série de aventuras,

que nos abrem caminhos ou nos fecham,

e nesse instante têm máxima importância.

Para quebrar as algemas das agruras;

Para escudar as setas que nos flecham;

Para seguirmos em frente, com constância.

REGRAS DA VIDA VIII

Os literatos em torres de marfim

se escondem, é o que dizem -- e os poetas

ainda mais que todos, são estetas

que nada querem com essa vida, assim

tão pobre, material e corriqueira.

Essa vida de lucro e de ganância,

de luta, de maldade e de intrigância,

por mais uma conquista derradeira.

Mas esconder-se tampouco é uma virtude:

também poetas, afinal, vivem no mundo

e devem interesse aos fatos que os rodeiam.

Sem se prender aos dados com que o passado ilude,

mas compreendendo os homens do jeito mais profundo,

para criar tais versos que as mentes incendeiam.

AMOR DE CÂMARA II

Amor, eu te busquei intensamente.

Foste, acima de tudo, um dom presente,

em cada verso meu, em cada ponto

que breve conduziu-me ao desaponto.

Por nunca te possuir, embora a alma,

internamente, em tresloucada calma,

pusesse ardentemente a teu serviço:

meu peito renascido, a mente e o viço,.

totalmente inclinados para ti.

Mas foi obra de um dia, tão somente;

sorriste uma só vez, nesse inclemente

ardor, que não sentiste qual senti.

E agora te esqueci, por mais que chames...

Que estou fazendo amor ao som de Brahms.

REGRAS DA VIDA IX

Há grande diferença entre os desejos

que temos para nós, versus obrigações

que temos para os outros, as dilacerações

que nos dividem... entre dever e beijos.

Busca o egoísta a si somente dar prazer;

o altruísta esquece do mais elementar

cuidado de si mesmo, até que vê chegar

a frustração de querer... porém não ter

o que dar para quem ama, pois deixou,

ao cuidar só dos outros, até de amealhar

o menos que podia, o mínimo certeiro.

Assim, cuida de ti -- tu sempre vens primeiro.

É contigo que vives; e, se nada te sobrou,

nada terás então, no instante de ajudar.

AMOR DE CÂMARA III

Cantando te encontrei e fiz meus versos;

também fizeste os teus, inda que poucos.

Os meus foram suaves, foram roucos,

foram altivos, humildes, nos diversos

concatenares de amor inesperado;

paralelismos de amor subcutâneo;

transmigrações de ardor tão subitâneo,

quanto é funesto o amor avassalado.

E assim me vejo em música envolvido.

Quando te abraço é como uma canção,

que, em melodia estranha, poucos ouvem.

Meu corpo inteiro faz-se diluído...

E até parece que dissolve o coração

fazer amor ao som de Van Beethoven...

AFINIDADES

Não sei quem estaria interessado

na augusta relação de meus queixumes...

É muita pretensão os meus agrumes

querer compartilhar com o atribulado

humano que me lê: tem seus problemas,

maiores do que os meus. Se lê poesia,

é porque sente inquietação vazia,

que busca mascarar a custo, apenas.

Mas é que há tantos agudos sentimentos...

essas magrezas da alma, pontiagudas,

não são somente minhas: todos têm.

Se alguma coisa eu sei, é que os eventos

que me martirizaram, vozes mudas

talvez os calem... Mas sentem também.

AS REGRAS DA VIDA X

São peixes mortos que seguem a corrente.

Os vivos nadam contra, por mais forte

que seja o turbilhão, por mais freqüente

lhes venha a tempestade, sem que importe

o que aconteça. Seguem sempre o impulso,

para cima e para o alto, até a cabeceira

do rio e nela, jato a jato e a pulso

derramam ovas e sêmen, até a derradeira

energia ver-se gasta e consumida.

Não é bem assim conosco. Temos filhos

da vida ao longo, sem precisar morrer.

Todavia, para ser fortalecida

a natureza humana, os mesmos trilhos

deve enfrentar, nadando até vencer.

AS JOVENS DE ROMA XXXIV

LAEPIDA

DIZEM QUE AMOR COMEÇA EM PRIMAVERAS

E VAI SUMINDO DO INVERNO AO BAFEJAR.

DIZEM QUE AMOR NÃO DURA LONGAS ERAS

E QUE RÁPIDO ENROUQUECE O SEU CANTAR.

POR SER, DE NATUREZA, TRANSITÓRIO,

COMO PINGOS DE SANGUE NUM REGATO

SE EXPANDEM RÁPIDO, NUM CIRCUNCISÓRIO

ABRANGER, A SE ESPALHAR INTIMORATO.

E DEPRESSA SE VÃO, CORRENTE ABAIXO...

MAS MEU AMOR FOI ALGO DIFERENTE,

MUITO MAIS PURO, BRANDO, DOCE E TERNO.

AMOR DE JULHO, AMOR EM QUE ME ENCAIXO,

AMOR DE RARO DOM E DOM FREQÜENTE

DE QUEM SE ENTREGA ASSIM A AMOR DE INVERNO.

JARDIM DO ESPANTO XXV -- RAIO-DE-SOL

Quantos amores há que não se fala!...

Amores impensados, aleatórios,

Amores permanentes, transitórios,

Como se fora a vida que os trescala...

Ama-se apenas o bimbalhar do sino;

Ama-se a chuva fresca no calor;

Ama-se o vento, um rosto pequenino

De velha ou de criança, sem temor,

Como reflexo de nós, como perfume,

Como o que fomos ou que iremos ser:

Amor da humanidade no arrebol.

Amor do ocaso, em que, sem azedume,

Breve entraremos, nesse entardecer

Alegre e puro... qual um Raio-de-Sol...

APOGGIATURA

Não foi como eu queria: os deuses sabem

que haviam outros sonhos envolvidos

nessa instância de amor; e neles cabem

alternativas mortas e esquecidas...

Sendeiros de fatal tragicomédia

envolveram meu sonho... Pesadelo

não foi, por certo... Nem tragédia,

embora ensangüentado o meu desvelo.

Ao passo que esperava maciamente

tudo me transcorresse, com naturalidade,

enquanto teus gemidos nesse amor se ouvem,

pois foi um dom gratuito e, gentilmente,

tu me deixaste, em tal sensualidade,

fazer amor ao som de Van Beethoven.

JARDIM DO ESPANTO XXVI -- A AZALÉIA

A vida é inesperada: mais que crises,

nos conduz mansamente a nosso fado,

no qual nos vemos. Espelho revelado

de um novo mundo, em que nossos deslizes

abrigam os possíveis ofegantes

de novos fatos... Eventos perfilados,

mostrando as almas, então comandados

por nossas decisões periclitantes.

E então, nós escolhemos ao acaso,

ou por deliberação. E eles se esvaem,

em gotas de almas mortas, na epopéia

de conseqüências surgidas, em tal caso,

inelutáveis, que ao colo caem

domésticas e suaves, tal como uma Azaléia.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 07/05/2011
Código do texto: T2954485
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