João Ingá Pai, João Ingá Neto, João Ingá Incerto

Gurupá, 2003.

João Ingá Pai corria na faia,

juntar malhadeira e peixe jantar

cuidado com o casco,

o pau tá na praia

remendo carece pro ir labutar;

e a várzea que enche transborda pra depois quebrar.

E anda no mato

com facão na mão

eu vou jupati,

tu vais matapi,

pegar camarão,

zagaia

descalço

arraia

remorso

ferida

inflama

pinica

semana.

Machado

que bate,

o tronco é boiado

“e faço jangada

e firmo engate”.

Mulher de João o tempo que sobra

da bóia, da reza, da roupa que seca

catando semente, depura andiroba

e ensina a filha brincar de boneca.

Boneca de talho

de um buriti,

na cara um olhão

de um caroção

bem preto açaí

e a filha

que brinca

enfilha

e trinca

os dentes

aos quinze

marido

ausente.

“ausente, mas crio”,

comenta o avô

“ispia, meu fio,

te cuido, te formo, te faço doutô”.

João Ingá Neto estudo não veio

motivo o avô Deus logo levou,

mantinha a casa, não via qual meio

de vir a ser lido, ainda mais professor;

e a esperança de dias melhores para ele acabou.

Andava no mato

com facão na mão

decepa palmito

lhe mandam no grito

humilha o patrão

os homens

no centro

mosquito

tormento

mutuca

maruim

“dou tapas

em mim”.

“Açaí já não tenho,

então o que resta?

Andar bem distante

a léguas dali?

Matar minha fome

consigo, que festa!

Senão, o que faço?

É patrão seguir”.

“e corto madeira

no dia inteiro

no trampo, virola

às vezes, uma bola

e pego dinheiro”.

“e compro

farinha

tabaco

galinha

um tanto

eu guardo

pro feijão

um fardo”.

E bem fica nessa

não muda, não cresce,

a mata minguando

de tora, de caça,

barranco que desce.

João Ingá Incerto é neto do Neto

do primeiro Ingá da prosa que fiz

e mais do que os outros, só vive quieto

e mora nas ruas, cidade infeliz.

Levou já três facas, um tiro, não morreu por triz.

Não tem um trabalho

qualquer em Santana

quer queira, não queira

só anda na feira

descuido, me afana.

Cordão

de ouro

puxão

no couro

soldado

que pega

“no olho

me cega”

e sonha

com mato

que a fonte não cessa...