O TEMPO DE KALI
O TEMPO DE KALI
Fecham-se os portais do paraíso
rompem-se as trancas dos umbrais
viver o que se foi não é preciso
o contradito do que é já não é mais...
Emergem pestilências do imundo
sucumbem os dons do intelecto
nas águas das enchentes moribundos
transformam-se em esterco e barro infecto
Descolam-se dos pólos as geleiras
resfriam-se de vez os corações
encobrem-se de mar vilas costeiras
afogam-se no sal as emoções
No olho do tornado derrubadas
as pontes que uniam relações
famílias de sólidas fachadas
desabam no furor dos furacões
Imploram sob falhas tectônicas
as almas vitimadas pelo horror
ceifadas pelas forças antagônicas
no choque entre a verdade e o torpor
Escorre pelo monte e cobre o dia
incontinente a lava do ideal
corrente cálida que ao ar resfria
na fria superfície do real
O tempo do demônio se inicia
de deus o belo sol hoje corrói
no câncer que reforça a agonia
causada pela luz que agora dói
A sombra da verdade se antecipa
ao brilho que do ardil é causador
o engodo da imagem se dissipa
no toque precedido pelo amor...
O belo é o que se forma sobre fato
que ao ego cega e a alma não engana
obriga-nos a apurar o tato
secando os olhos e a mente insana
Arrisquem-se os fortes no escuro
resistam à luz antibiótica
sustentem vosso peso em solo duro
pois o medo é ilusão de ótica
Não contem os mortos e os perdidos
retomem a coragem, afastem o drama
resgatem as sobras e os feridos
reúnam os vivos ao redor da chama
Nos mostra que lembrar nunca é demais
a dor que nos reporta a uma ferida
ouçamos os mitos imortais
em que a lama faz surgir o dom da vida.