Bêbado
Na sarjeta, tão jogado,
Está um homem imundo.
Cada um que por ali passa
Ignora sua desgraça...
Desta vida rarefeita,
Diante de tanto silencio...
Este homem foi alguém,
De “status”, posição,
Títulos e honorários,
Comendas, cheques, cartões...
Hoje, ali permanece,
Tendo um cão por companhia,
Estático, cinza, jogado,
Qual tremenda porcaria...
Este homem teve amigos,
Influências, mordomias,
Teve também uns instantes
De singela alegria...
Acontece que, no “palco”,
Tudo passa acelerado,
Os valores transitórios,
Os amigos tão ausentes...
Assim, em cada sarjeta,
De toda viela do mundo,
Caem a cada segundo,
Mil homens iguais a este...
Com mil cães por companhia.
Pois impera o vil metal,
Dinheiro e burguesia.
Resta à beira de um balcão,
Cães vadios ao redor.
Um jornal amanhecido,
O vento como amigo
A espantar tantas moscas...
Resta a esmola mentida,
Como sendo condução,
Que precisa “ir para casa”.
Este homem não tem casa,
Amigos, lar, um carinho,
Não tem títulos, nem amor,
Nem mesmo um companheiro...
Este homem...
Não tem dinheiro!
(Ana Stoppa, do livro "Diagnóstico)