O lirismo e seus despejos
O lirismo e seus despejos
À Carolina Maria de Jesus
De olhar vagaroso por entre os restos
do que fazemos de nossa carne
a mão lateja vasculha:
bilhetes, bocas cortadas
martelo de dar murro em ponta de náusea
salivas secas de um beijo mau dormido
roncos de quem dorme pela palma aberta
quando nem mesmo a linha do horizonte
é sinal de folha beijada.
Por entre folhas de um vento ainda por cair
é preciso refogar a peleja do dia na panela vazia
cumprir a iluminação do dia na lua ainda por-vir
enquanto a mão resvala úmida
de ninar linhas em branco
como quem se despede
do cheiro que não é seu
mas de outra mentira.
Assim, diante das salivas de outono
nos retalhos de volúpias cansadas
no bolor de tempo ancorado
lá vai Carolina recolhendo-se
para o mistério, inefável, da sobra.
poema em homenagem a carolina Maria de Jesus, autora do Quarto de Despejo