Na madrugada

A madrugada canta enquanto a maioria dorme.

Há uma TV ligada na sala

uma criança pedindo comida na rodoviária

uma fatia de pizza fria, esquentando, na mesa de centro.

Por um momento alguém pisca e se move

um vigia, tremendo, passa apitando em sua moto

um último suspiro sai do cobertor feito de notícias banais.

Algumas centenas de pets descem rio abaixo

centenas de árvores antiquíssimas morrem rio acima

centenas desejam algo acima e abaixo de seus corpos.

Em algum lugar luzes são acesas

algum índio teima em continuar sendo

algum civilizado percebe-se deixando de ser.

Velas continuam à queimar

continuam a lhe dar novos pavios

continuam a iluminar independente da forma.

Por vários séculos há vozes mudas

vários avisos sendo exaustivamente escritos

vários devaneios sendo sacramentalmente aceitos.

Eles escrevem o algo que você vê

escrevem o nada que, parece, não existe

escrevem, sobretudo, o que outros não querem perceber.

Há luzes acesas na madrugada, os escritores, sonhando acordados.

Joakim Antonio

( Publicado originalmente terça-feira, 7 de dezembro de 2010 no blog http://descortinamental.blogspot.com/ )