UM DESCUIDO
Daqui pra la
De la pra ca
De porta em porta
De mão em mão
La se vão mais de duas horas
De apurriação
De dor
De aflição
Vergonha
Humilhação
Urgência
Emergência
Sem clemência
Paciência
O pé latejando
O peito sangrando
De indignação
Topada maldita
Uma desdita
Da próxima vez
Vê por onde pisa
Realiza
Quem mandou nascer pobre
Pobre não pode adoecer
Topar
Cair
Desfalecer
Melhor morrer de repente
Sem ser gente
Furar a fila
Enganar a morte
Sem sofrer
Com sorte
Morrer em casa
Na sala conversando
Quem sabe no quarto
Na cama dormindo
Roncando
Sem drama de maca no corredor
Sem chororô
Sem dar vexame na tevê
Pra todo mundo ver
Que horror
Na rua atropelada
Nem pensar
Triste espetáculo
Um corpo estendido no asfalto
Ainda sujeito a assalto
De malandro desalmado
Desassossegado
Se der pra escolher
Melhor morrer de repente
Placidamente
Sem corredor
Sem fila
Sem maca
Sem faca sem facada
Sem bala sem balaço
Num abraço
A sós com os seus
Serena
Calada
Discreta
Anônima
Como sempre viveu.