Lar, Doce Lar [Completo]

Ah, Utopia,

País de meus sonhos.

Vejo tuas nuances,

Tão belas quanto teus rios,

Tão belas quanto tuas florestas.

Não vejo mais exércitos a marchar,

Nenhum soldado pisando a terra

Manchando o chão de sangue dos iguais.

Não vejo mais fronteiras,

Nenhum mais país a batalhar

Por riquezas a conquistar.

Não vejo mais línguas a falar

Só vejo palavras carregadas

Pelo vento a lhes abençoar.

Não vejo mais soberanos e tiranos

Nenhum homem superior a outro.

Nenhuma mulher submissa ou omissa.

Não vejo mais nenhum Deus a se louvar.

Não há mais Guerra Santa a travar,

Sem religião para aclamar.

Não vejo mais dinheiro para trocar

Por o que de todos é e de todos será.

Não vejo mais tecnologia e avanço

Que agride nossa Mãe.

Nenhuma espécie extingue-se por inveja humana.

O ar que respiro é puro nesse lugar.

A água que bebo e cristalina nesse lugar.

O lar que me acolhe é tenro nesse lugar.

A língua que falo é una nesse lugar.

Mui amo minha Mãe.

Mui adoro meus iguais.

Mui clamo esta paz.

Olha, lá no topo,

Que é aquilo?

Que luz brilhante é aquela?

Como pudeste raiar, Sol?

Como pudeste acordar-me, Sol?

Queria ter continuado a sonhar

Com meu acolhedor e imaginário

Lar.

Acordo.

Ah, mas que desespero

É esse que me toma?

Será a vil realidade?

Olhas ao redor, pura maldade.

Não mais em Utopia,

Mundo de meus sonhos.

Acordo na realidade dos porcos

Que se chamam humanos.

Seria muita crueldade

Comparar tais animais

Com tais vis criaturas

Que somos todos nós.

Não perdão para toda

Essa atrocidade que,

Com orgulho ou ressentimento,

Chamamos de dia-a-dia.

Vou na rua e vejo mendingos

Implorando por um pão.

Vejo crianças atirando pedras

Em brancos pombos.

Vejo senhores de alto escalão

Roubando coisas fúteis.

Vejo pobres vagabundos,

Chorando por sua própria fome.

Vou na rua e vejo o céu,

Negros de fumaça, de veneno.

Vejo chaminés poluindo este ar.

Vejo chuvas tóxicas caindo.

Vejo o calor escaldante sendo preso.

Vou na rua e vejo anônimos

Jogando lixo em boeiros.

Vejo garis sendo maltratados.

Vejo animais mortos em estradas

De baixa velocidade.

Vejo mortos de colisões,

Anteriores motoristas

Verborrágicos na hora errada.

Ainda mais, que tristeza.

Vejo pregadores impondo-se

Adentre as massas apressadas.

Vejo pobres coitados

Doando tudo que ganham

Para uma Instituição hipócrita.

Que mais me faria viver?

Ver rostos alegres a sorrir?

Ver pessoas iludidas a me encarar?

Ver tolos a me questionar?

Ver os que absorveram minhas mensagens?

Talvez seja maravilhoso.

Mas, melhor seria,

Esta vida, em Utopia.

Lá não há balas de canhões

Rasgando nuvens de enxofre

Que carregam águas impuras

Que caem em ilusões inumanas.

Por ora, nada posso fazer.

Por ora, volto a dormir.

Por ora, volto a sonhar,

Com meu verdadeiro Lar.

Ah, como é bom

Voltar a sonhar

Com os verdejantes campos

De Utopia.

Homo sapiens, o destruidor,

Está extinto.

Homo syneiditi reina, consciente,

Sobre a Mãe.

Sem mais mares de fogo,

Sem mais rios de sangue,

Sem mais nuvens de veneno.

O ápice da Mãe

Está a acontecer.

Nenhum perigo

A nos abalar.

A cruel Matadora

Foi vencida.

Não precisas mais rezar.

A arrogante Fome

Foi banida.

Não precisas mais implorar.

Nem o perigo Vermelho,

Nem o carniçal Verde,

Nos domina mais.

Somos puros,

Como pássaros a cantar,

Como ventos a uivar,

Como ondas a quebrar.

Mas, o quê?

Novamente, Sol?

És muito cruel,

Ao me acordar.